sábado, 21 de julho de 2012

mosaico de roupas, cores e forças


 Se sairmos bem cedo de bicicleta, enquanto o trânsito da cidade do Rio de Janeiro está mais ameno, podemos nos deparar com uma  indagação artística a céu aberto. Flanar pelo Rio hoje é dialogar com essas imagens que estão por vários  bairros da cidade, pela Av. Presidente Vargas, pela Lapa, pela Gamboa, Saúde, Santo Cristo, Pedra do Sal, Tijuca, Andaraí, Grajaú,  Morro dos prazeres, Morro da Providência. Nenhum lugar popular ou de elite está imune a esse febre das cores e formas que  está sendo trazida para a cidade. Saindo de bicicleta, de metrô, de trem, de ônibus, de carro, pessoas com suas mochilas e escadas,  seus bonés para enfrentar a luz forte do dia, ou  munidos de sua própria luz , para dialogar com a noite e com a chuva, estão humanizando as paredes, desvirginando os muros,  lutando contra a pureza de um mundo sem cor debaixo dos viadutos, em tapumes, em barcos vivos ou destinados ao cemitério de navios, casas e prédios  previstos para a demolição, pintando as ruínas, os restos, o que ainda há no porto, o que ainda pode haver de vida numa cidade que rebeldemente não quer se submeter ao choque de ordem do imperialismo capitalista com seus prédios vitrificados e metálicos, organizados, administrados, mas sem vida, sem imprevisibilidade, sem o risco da beleza marcadamente humana, lírica, das figuras e rostos de mulheres e homens que habitam nosso cenário visual atual.
      No processo de criação, a arte é interpelada pelos habitantes, uns acham maneiro, outros querem denunciar à polícia ou a quem quer que seja aquilo que, na cabeça deles, não deveria estar ali. Uns se sentem os donos do espaço público e fazem cara feia, outros param e contemplam como crianças, sempre dispostas ao lúdico e ao inesperado, fazem sugestões e interagem, pedem coisas, conversam, contam suas vidas, querem que pintem também suas caixas-de-água, suas casas, seus traillers de cachorro quente.  Momento em que o artista dialoga autenticamente com seus espectadores e com o ambiente porque às vezes há lixo, há lama, há esgoto por perto e  a mania de limpeza  contemporânea , bem representada pelo símbolo do álcool gel, não pode entender o que é isso.
   A história da arte na rua, nas praças, nas cavernas, nos vasos antigos, em lugares permitidos ou não permitidos, ganhou definitivamente muros que não são mais puros nem submissos à arquitetura vitrificada, limpa e padronizada dos prédios urbanos. Por toda parte pode se ver rostos e corpos pintados de homens e mulheres, formas híbridas, mosaico de roupas, cores e forças.  Como se a cidade estivesse se vestindo com outros trajes, como se as roupas que nos envernizam e cobrem nossa condição humana, demasiado humana, tivessem explodido em varais, em tecidos,  homens com formas longilíneas e inusitadas mostrando que as possibilidades de um corpo são múltiplas e não se restringem às formas banais da realidade. Espaço virtual onde  sambistas, ídolos, pessoas comuns são desenhadas para se reconhecerem em seu próprio bairro, em seu próprio lugar, para ganhar com seu rosto na parede uma nova raiz, um novo teto sob o céu livre, uma nova morada.

Pode ser a própria alegria e o grito de angústia da condição humana que esteja por trás de um tão intenso movimento, de uma tão colorida febre e imprevisibilidade.Como dizem, a arte aumenta o mundo , potencializa o mundo, provoca transbordamentos e cria sempre novas possibilidades, abre caminhos, inicia árvores, cria pontes.
 Cores, roupas inéditas  e tintas, sejam cada vez mais bem-vindas.

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