Lembro-me de ter lido pela primeira vez "O Lobo da Estepe", de Hermann Hesse, numa idade da vida em que ainda me sentia uma tenra Chapeuzinho. Muitos e muitos anos depois, o livro está voltando às minhas mãos e aos meus olhos de loba e não sossego com as impressões que me causa. A primeira é a forte influência do estilo de vida de Nietzsche nesse personagem. O hóspede que costuma alugar quartos em quietos e tranquilos lares burgueses, onde ele pode se proteger secretamente do seu ódio contra a burguesia.
Era um estranho que, apesar da intensa experiência solitária e esquisita, precisava de um ar de família para sobreviver, precisava da sua memória, do seu passado, das suas raízes. Hermann Hesse nos diz que “convivemos sempre na burguesia com uma grande multidão de natureza fortes e selvagens”. Penso também no “povo de solitários”, de Cioran.
Nos quartos das casas ou hospedarias sossegadas, encontramos o lobo suspeito.
O hóspede desamparado e sem laços. O lobo que busca conforto no cheiro bom de um lar bem cuidado com os pequenos e delicados hábitos de limpeza e ordem, entre plantas tratadas com esmero e zelo femininos. Lá está o lobo. Não numa toca, não entre criminosos, mas no “pequeno espaço taqueado entre a escada, a janela e a porta de vidro”, fumando seus cigarros, lendo seus livros e já espantado e preocupado com o destino da música depois da invenção do gramofone e do rádio. O lobo selvagem, contrário a tudo, vivendo em meio ao odor da cera do assoalho, entre cortinas e móveis, respirando a “fidelidade às mínimas coisas”.Talvez seja um início. Comecei pelo cenário. Esse doce e desarranjado cenário...
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