quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Cotidiano

se você perdesse o estojo e
o caderno, o que você faria?
procuraria
nos achados e perdidos
da estação
colocaria avisos nos postes
perguntaria a todos:
vocês não viram meu caderno?
nele foram rabiscados
a tempestade de hoje à tarde
o trem que perdi para a capital
a vontade inteira que tenho de ser real

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

búzios

me feri com a caneta
navalha que não falha
me cortou a mão
as unhas os ossos
os cabelos os joelhos
me deixou metade sangue
metade asa
estou ferido nos olhos
na nuca no peito
tatuei-me uma casa
aonde eu pudesse ir
desenhei ruas, livros
praias, filmes
um lugar qualquer
para onde eu pudesse
voar
e desabar

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

meteorologia


há quase um ano consultando os serviços meteorológicos
e nada
nunca iria nevar nessa cidade
mesmo assim sonhou que esculpia
em gelo um beijo

como não nevava
a moça hidratou os cabelos
tomou sorvete de amora
e se banhou no mar

como não nevava
ela se deleitou com a chuva
com a represa, os vizinhos
e a horta

como não nevava
resolveu abrigar-se em outro luar

sábado, 17 de agosto de 2013

pequeno vento de agosto

de qual cidade você vem agora
de qual viagem  você volta?

para atravessar minha vida de vermelho
para arrancar de vez minha tristeza
de que havia um coração com um só sentido?

de qual lugar você nunca me chama
de qual saudade você sangra
de qual espanto você cala
sem entender minha brisa e onde me rompo?


por que o vento se escondeu do meu vestido
não bate mais à porta, não me banha
com  a distância dos que nunca chegam
de qual labirinto você canta
de quais areias você sopra?

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

torpedo cósmico

nem sei em que país você mora
só quero escrever, escrever, escrever
não sei
se catas guimbas de cigarro nas pedras portuguesas
do Egito, de Israel, da Jordândia
se estás perdido em Tokio sem mapa nem estrelas
fingindo que está só
nem sei se você se escuta, se me escuta
se os versos das canções se escutam mútuas
se cruzam, se trespassam no espaço nu entre  nós e a medialuna
nem sei quem você é, nem de que século, nem década, nem nada
se é verão, inverno, outono, primavera
se é humano, pedra, animal,
homem, mulher, árvore
mas busco, procuro, canto tanto
e atrevo-me a uma ciranda de palavras
na onda  que me leva para mais longe
voz que atravessa mares, astros , lares
viajo como um torpedo para Júpiter, Netuno, Marte
nave, nave , nave
música, música, música

sábado, 10 de agosto de 2013

Canção do homem que saiu a cavalo

procurou alguém de além mar
para sonhar
não para ver, tocar, falar
só para imaginar
buscou alguém de além mar
para estar sempre distante e com saudades
e com ciúmes e com novidades
não foi para receber cartas
foi para ouvir música
não foi para ser correspondido
foi para ser abandonado