segunda-feira, 17 de junho de 2013

Dias de reflexão geral


Vejam só, como já virou um lema, não são apenas os vinte centavos. A questão é que não somos da realeza global. Não vivemos da boniteza midiática. A jornada dos nossos jornais não nos  pensa. A  Copa do Mundo não nos reflete.  A polícia não nos defende. Nenhum governo nos governa com ética e respeito,  talvez  a grande maioria dos políticos  não nos represente nesse momento atual em que estamos abrindo nossas feridas sociais e econômicas e mostrando a nós mesmos  e ao mundo que não somos apenas  um país de futebol e festa.

 Não é a ausência de causas, há   brasileiros, tenho visto mais de um, dizendo que é a falta de causas.  Todo mundo sabe o tanto de causas sociais que temos, as lutas desse país em vários sentidos.

 Quem disse que estamos apenas acordando agora? Sempre fomos acordados. De Palmares a Pinheirinho. De vez em quando a gente dorme, esquece, se anestesia. Mas uma  certa vigília  é aliada do pensamento. E contra esse pensamento estão disparando balas de borracha, e a gente precisando se defender com  óculos de natação e de mergulho contra o gás lacrimogêneo e  spray de pimenta.  Óculos para submersão servem agora para a subversão. As insurreições até podem ser debeladas de forma covarde com essas armas, mas o pensamento não. Ao contrário, quanto mais jogam gás, mais a gente pensa, com os olhos inchados de choro e dor. As lágrimas são de vergonha e de coragem. Vergonha porque tem gente machucada pela polícia que devia ser nossa proteção. E uma coragem diferente porque não estamos lutando com armas, estamos lutando com palavras, com reflexão .

Quem disse que não há pensamento nessa rebelião? Só não é o pensamento de nenhum líder carismático salvador da pátria, é o pensamento de muita gente se unindo, muita gente pensando de modo coletivo. A cada dia os acontecimentos estão nos fazendo pensar mais, a inflação nos fazendo pensar, a inflamação das gargantas nos gritos e nos choques com os repressores. Tudo isso faz pensar e pensar muito.  São dias de reflexão geral, dias em que a  intelligentia está vacilando porque não sabe de que lado fica. Dias em que os torcedores de futebol também estão vacilando porque precisamos pensar criticamente o futebol . Bom que esteja todo mundo atordoado, perturbado, incomodado. Precisamos incomodar, sim, vamos incomodar. Precisamos nos espantar  e levantar a cabeça e o pensamento contra a ignorância, contra o comodismo.  E como diz Sartre, somos condenados à liberdade e somos responsáveis por isso, somos responsáveis por cada um dos nossos atos e escolhas. E o que estamos escolhendo agora?  Lutar contra a imposição,  contra o retrocesso, lutar pelo direito de  ter ideias e de manifestá-las livremente sem opressão. O  pensamento crítico é isso:  o espanto com responsabilidade e criatividade.

sábado, 15 de junho de 2013

A fiandeira

                                                          fábrica de tecidos século XIX

Eu fiaria um manto inteiro hoje
enquanto você dorme
Há lembranças que não tenho onde guardar
e que só depositaria bem numa fogueira

Não há memória, nem nomes,
nem arcas, nem caixas
que possam conter tanto furor

Eu fiaria um manto inteiro
mas um manto não serve
Poderia inventar lendas
narrar um sonho aos marinheiros
mas nem lendas, nem sonhos,
nem marinheiros poderiam exprimir
o que vivi

Eu fiaria um manto inteiro hoje
mas não serve um manto
não serve enterrar segredos numa ilha
e esperar o temporal passar

Há dias em que os raios são a única saída

domingo, 9 de junho de 2013

A chegada de Mercúrio

Acendes espelhos por onde passo
e mesmo em tua fúria
inventas silêncios que me acalmam
mirantes, fogueiras, viagens
tudo me trazes nos dias em que ancoras
tua ventania nos meus braços



quinta-feira, 6 de junho de 2013

Oráculo

                              
O pássaro no seu voo encontrará o infortúnio
Será ferido por um raio
seu coração de ave trespassado
por setas de ilusão e de beleza
Querendo o temível
e o transgressivo
o pássaro assim tão desmedido
poderá espatifar-se no rochedo
ou despencar no mar
atordoado
no voo proibido do desejo