sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Blue Moon

Roberto Carlos, é o seguinte:
você está salvo
agora sou eu que preciso me salvar
passo a tarde inteira ouvindo
esse programa Roberto Carlos Especial
na rádio Nordeste
Se eu não ficar em casa,
saio na rua e beijo a Ribeira inteira
homem, mulher, esposa, rameira
todas as criaturas humanas e desumanas
pedra, carvalho, fogueira, geleira, geladeira
fico pedindo para a lua
desce, desce, desce
Eu sou da terra
e só na terra me sinto bem
sei que garota igual a você
na lua não tem

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

New Game: Afrodite virou prostituta de jornal

Verso é enigma
nada tem de descarado
nada tem de fácil
nem de geográfico
é esfinge, é mito
nele posso ser puta, vadia
bruta e real
cada programa mil reais
com o direito a tudo que sei
e não sei há dez mil anos atrás
encontro loucos, doidos, degradados
degenerados, homens, mulheres, travestis
não faço distinção de idade
sexo, carruagem ou carroça
com o verso: pluma, nuvem, incêndio e gás
se goza muito mais

domingo, 17 de agosto de 2014

"Desencanto"

                      " Três metamorfoses, nomeio-vos, do espírito: como o espírito se torna camelo e  o    camelo,  leão e o leão, por fim, criança. " Assim Falou Zaratustra. Friedrich Nietzsche

                                                    poema dedicado a Manuel Bandeira

Sou uma mulher vulgar
e faço versos como quem fode
sentindo prazer e dores
Eu faço versos como quem cospe
no bicho morto no meio-fio
sentindo nojo sentindo encanto
Eu rezo terços
e chupo lâminas
E faço versos como quem goza
e gozo como quem glosa




                                                             

sábado, 16 de agosto de 2014

Um poema de Manuel Bandeira

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O carteiro e a poeta

Não quero deixar de conhecer
Pasárgada, Shangri-lá e Atlântida
ainda bem que daqui de casa
posso ir até lá com asas
ou a nado
vou pela rota contrária
oceano pacífico e feroz
ouço todo dia sua voz
antiga e total
nem preciso de satélite
lá mesmo não preciso chegar
e são tantas cartas, contas, telegramas
há mil anos e séculos
e esperei tanto, tanto, tanto
aqui nesse Rio de Janeiro
que acabei me apaixonando pelo carteiro

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Agosto

Como um hiato às voltas com escuro
pulsa o meu poema
e vibra frio vidro estilhaçado
numa ameaça de espanto que me ronda
Como uma espécie de arma, como um músculo
o meu poema me cerca
com gargalhadas de doido
com esperanças de cura
Ele me assusta me segura me defende
com uma mão de fantasma
contra a morte
O meu poema é um cio, uma dor que me cuida
um cão, uma mãe que canta
um corpo moreno e luta

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

lucila

a palavra ama
a palavra cora
a palavra lama
a palavra chora
a palavra goza
a palavra cama,
lucila,
luz que oscila
a palavra te chama

sábado, 9 de agosto de 2014

Invenção de Eurídice

Havia os cabelos de  Eurídice incendiando a praia
e os homens com suas redes esperando

Orfandades arrastadas sobre a areia
era assim que vinham os peixes
era assim que as palavras vinham,
sem ar,
com olhos vitrificados

Havia os cabelos de Eurídice soltos
como velames
cortando os ventos
semeando bichos que se alastravam

Eram quase mãos, os cabelos de Eurídice,
tentando agarrar alguma coisa
buscando alcançar uma alegria, um êxtase,
uma dor que fosse
qualquer coisa quebrada,
algum resto, um destroço

ou algas e conchas dentro das ondas

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Mickey

                                                                     " Dieu parle dans la calme  plus haut
                                                                                                              que dans la  tempête"
                                                                           Adam Mickiewirkcz( 1734-1855)
                                                  
Que o Mickey era feiticeiro
só depois eu fui saber
Jodorowsky
lhe ensinou
que ratos e ratazanas,
que temos dentro da gente ,
podem ser curados com sal, lápis e cal
Que a Minnie enfeitiçava
eu também desconhecia
encontrei em sua casa uma placa:
se for preciso tome melhoral
mas consulte a senhora Minnie
se quiser melhorar o seu astral
                                                  Cosmogonias distopicas: Marcelo Gandhi  

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Mariposas

segundo estamira
a pessoa pode estar em vários lugares
e tempos
e falar várias línguas de uma vez
estou levando alfajor para a turquia
queijo de caicó para a bahia
schieben  lieben  leben
no daña las superficies
elimina olores
somos productos de la naturaleza
the crowning glory
everest is climbed
capito, capitu, amigo?

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Festa de São João

Isso não é invasão é olhação

sua noite começa melhor

depois que alguém  te olha

Se eu ficar na barraca do beijo

vou dar prejuízo

ninguém vai querer me beijar

mas se eu ficar na barraca do olhar

quem sabe, talvez,

São João

acenda a fogueira do meu coração

e aí vou continuar

não é urgente, não é para casar

é só para olhar

Isso não é invasão, São João,  é só

olhar,  luz,  câmera,  ação

meu nome é Suellen

maria chuteira

superem

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Na lavanderia

Estou ouvindo a música da máquina de lavar
lavando os trapos, os farrapos, os sapos
todos que tenho que engolir do chefe do setor
que acha que só tem gente saudável e gostosa
nesse mundo

Estou ouvindo a música da máquina de lavar
a rádio fm feminina mulher furor
e uma adolescente entrevistada dizendo: eu sou nescau
recalque bate em mim e volta radical


vou passar roupa, cozinhar e voltar para casa
às quatro, de quatro, com o corpo todo doído
de estafa e ainda trabalhar para esse marido
chinês 
ex-presidiário, criminoso, safado
os quatro filhos e tudo
mas dizem que foi eu que escolhi,  colhi,
encolhi feito coelha
com essa colheita de filhos , esse tanto de trabalho
esse caralho, essa porra, essas crianças chorando

e por toda parte essa placa dizendo que é proibido fumar,
fumar, fumar, não posso fumar no trabalho, não posso fumar
em casa, não posso mais fumar em lugar nenhum
vou acender um cigarro no banheiro
tocar fogo no papel higiênico, na lixeira, incendiar tudo
também no aeroporto onde faço faxina terceirizada aos sábados

na rádio está tocando agora Belchior
não vou deixar meu cigarro se apagar pela tristeza
acho que foi por isso que ele fugiu para o Uruguai

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Marisa

apedrejo vidraças, sou da pichação
rompo os tratos, os  contratos

destruo calendários, lojas da marisa
plantações de alfaces, pepinos, hortas orgânicas falsas

vadia sou eu, que faço hot dog pra moçada
moradora de prédio ocupado, manicure
cabeleireira e ladra nas horas vagas
sonhando todo dia em atacar o shopping center

eu e a máquina de lavar, a pia, o pano de chão
os filhos, a solidão e aquele amante pilantra que visito na prisão,
momentinho no parlatório, fila para entrada,
dez minutos de love e mais nada

eu sou a própria manifestação, a pombagira total
boderline, bipolar,  tudo uma farsa
que papanicolau que nada
e  essa história de cândida ?

pureza?
meu lance mesmo é o cigarro e a cachaça

domingo, 3 de agosto de 2014

Diana



Ele sabe os tons de esmalte que ela usa
os brincos e joias que ela tem
brincos de ouro fosco e círios raros
colar amarelo fervido em pérolas

Ele sabe por onde ela prende seus cabelos
escritos em todas as partes
Cabelos mais longos que as folhas da palmeira
longa cabeleira, juízo curto

Mas ela curte tanto ter juízo
curte os cabelos curtos dos homens que ama
curte paixões que alucinam
as paixões que fogem e voltam

Sacerdotisa de Tupã
abençoa tudo com licor
Lábios de mel para esse mundo às vezes sem cores e tão cru

Ele sabe os tons de esmalte que ela usa
por onde ela acende suas chamas
e os medos e coragens que ela tem












sábado, 2 de agosto de 2014

Por trás da tenda

Sonho que você está por trás da tenda
oculto
e faz sinais para mim
com letras de fumaça
Ouço sua gargalhada
e vejo a sua sombra
Sonho que essa sombra toca a minha sombra
mas só as sombras se tocam, os corpos não
Sonho que um cavalo espera
ao lado do fogo
mas você não surge
Sonho que alguém esmaga uma aranha
no chão limpo
Sonho que vem uma menina entre as ondas
Sei que você está lá mas não vejo
Sonho que estamos sobre um trem parado
e há na rua cata-ventos e sismos
Parece que nem tudo está perdido
Sonho com facas, com palavras fortes
com meninos na rua carregando pedras
há uma casa muito velha onde os cães dormem
entre montes de capim seco e brita
Sonho que você está lá e me aguarda
Sonho que você tem uma ferida
velada pelos pássaros
Sonho que esta rua é minha e a ladrilho
com muitos rios
para que os peixes fluam tranquilos