terça-feira, 20 de outubro de 2015

Poema líquido

beijo com cajuína tão bom quanto café
longe dos palcos e das máscaras
da ostentação das luzes fotográficas
beijo secreto entre as paredes do banheiro
água de chuveiro
fluida, leve, fugaz, sem vínculo, passageira
ninfa
misteriosa e escondida sob longos cabelos
aquáticos e lunáticos
corpo de índia descalça
correndo e nadando pelo mato e pelos rios,
mulher preciosa e calada
muito, muito rara essa minha nova amada

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Bricolage

Somar os retalhos de Luana e Lara
juntar todos os amores
num só: mãe, pai, musa, filho esposa, puta
irmão, irmã e todas as navalhas
uma mulher mais brava
chamou a polícia feminina
e eu me escondi no posto de gasolina
a outra mais calma
me esperou por décadas
cheia de dúvidas e curvas
ainda me olha escusa
e mesmo que eu fuja só
de avião, a cavalo, de barco
e ande  vadiando ao redor do rebanho
de suas companheiras
ela me espera em casa
mãe dos meus filhos
com afagos claros
e eu sem saber dos amantes
que ela inventa , fantasia, esconde e cria
nas arcas, armários e  gavetas
enquanto penso ser o único,
o total, o tal do cara

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Maricá

mais de 40 graus
labaredas altas
na sauna
banho, beijo, vinho e cachaça acalmam
muito mais de 45 degraus
entre lagoas, poças, rios, praias
espinhos, charcos, corais, voo de raias,
e eu  sem lar nesse desassossego alto
tudo claro na escuridão
e eu sem saber onde ensolarar a minha alma

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Resgate

como queria sequestrar você
cativeiro silencioso dentro dessa cidade, sem luxo,
sem imóveis, pensões, hotéis
sem sauna nem piscina,
nem bancos, nem contas, nem afazeres domésticos
sequestrar para dentro de mim
para dentro dos meus versos
onde posso te esconder
anônimo amor cego
segredo velado por meu zelo
guardar-te de tal jeito na bagunça da gaveta
que ninguém poderá ver
como queria sequestrar você
para o caos dos meus cabelos
todos os meus cheiros
para o furor do meu excesso de pelos:
buço, busto, axilas, pernas, novelos

terça-feira, 13 de outubro de 2015

The old and the sea

Aos poucos foi chegando
deixando a escova de dentes
esquecendo o colar naquele
lugar ermo em frente ao mar

Como um gato recém admitido na casa
perambulou por ali, pelos antigos móveis
saltando em cima da mesa, pela máquina de escrever
cheirando a comida feita com tanto gosto
pelo caçador

e foi experimentando seus voos
seu jeito de imperador
sua calma, a maturidade da idade e das perdas

chegou com muito jeito, nada feriu,
nada esmurrou
suavemente caiu nesses braços abertos
de homem aviador
que lhe deu alturas nunca antes vistas
homem-peixe
que lhe trouxe profundidades
nunca mais escavadas

e mergulhou em seus vinhos, seu rum de pirata,
sua barba branca, suas facas e navalhas

Os poemas que não posso fazer para você

Já não posso te escrever
nem cartas, nem bilhetes
nem disfarces dos deuses
nem ouvir os instrumentos que tocas
seu delicioso canto de sereia
atravesso o mar ilhada
cercada por muros e palavras
que nunca mais serão ditas
aprendi esse silêncio
um novo jeito mudo, quieto, apaziguado
entre lembranças e  variadas facas na cozinha
marcas dos seus filmes,
e flautas
marcas do seu canto, das cordas do seu violão,
do teclado, dos tambores, dos seus  humores
com a quietude de bichos silenciosos
fico olhando de longe
e o que já não posso dizer
secretamente escancaro
em tintas de caneta e mágoa

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O mestre da meia-noite

É à meia-noite que ele canta e toca
os olhos depois do mar
maresia depois da chuva
à meia-noite ele chama
à meia-noite se banha
em águas de vinho tinto
no meio da noite ele acorda
do espanto do dia feroz
entre o rio do canal, entre o piano e o violão
entre o improviso e o imprevisível
à meia-noite,
inesperadamente,
desesperadamente
ele vira música