terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Baía Formosa

A mulher doida me aponta a faca
e me fala
Me chamem da pior rapariga mas
não me chamem de tira-gosto
O burro pertinho comia melancias
Não sei por onde começar essa mulher
com saia vermelha e vassoura
Viver não tem início
A mulher escreve o nome na areia
é Anelita é doida
Estamos no alto da duna
Eu e a doida
eu que também sou Anelita agora e tanto
pois que o mar que nos cerca nos ajunta
Estamos dentro da onda
Eu e Anelita
Ela com sua faca, eu com aquele chapéu da Bolívia
Eu e ela emboloadas
Eu e ela vamos ser queimadas juntas?
A lâmina de sua faca e a lhama do meu chapéu?
Ninguém viu
Nós não rimos, mas no fundo rimos
a mulher doida e eu
a doida e a moça descompassadas
Rimos assim dos nossos rumos incertos
dos remos que nós não temos
para atravessar essa baía tão vasta
Rimos dos nossos crimes
enquanto o sol ia arder do outro lado do mundo
enquanto o menino veio e levou o burro
nós ficamos ali amedrontadas e francas
Há um silêncio nas ruas,
Anelita doida,
um silêncio como a falta de dentes em tua boca
eu vi meninas brincando
fingindo que um bolo de barro
era um bolo de aniversário
vi sacos de carvão empilhados
e pombos no telhado
E tu, Anelita, és mera como isso tudo
e apaixonante como essa chuva
à noitinha
molhando as hortas
Este foi o encontro da mulher doida e eu
sobre a duna
era novembro em Baía Formosa
eu e Anelita, para sempre juntas

3 comentários:

  1. Maravilhoso!!! vou dedicar a uma Anelita. Obrigada

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  2. Venho aqui sempre, estou com saudades das postagens! rs
    Thalita

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  3. Adorei esse poema Ira! Bom demais.
    Estou me entrometendo no seu blog pela primeira vez, achei um link num site por aí, vim visitar e gostei.

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