segunda-feira, 28 de julho de 2014

Ao pé do muro

                                                                   lamafértil 2014

E além do mais, eu também tenho uma
uma banda bichada onde um veneno fino
se destila
E esta outra banda que me salva
Pedra não é
e ao perecimento se castiga
Fruta no sereno
uma parte sã, outra perdida
o que me bicha e lixa e come seco
é o que em silêncio me espanta sem que eu saiba
Pode um bico de pássaro reter o meu destino
com a doçura própria de seu timbre
Posso secar ao sol com a casca empretecida
uma banda sã, outra maldita
Mundo, mundo, vasto mundo, estou aqui dividida
e nem rima nem solução seria
se eu me chamasse Aparecida

domingo, 27 de julho de 2014

correio elegante

entrego minha alma
na portaria do seu prédio
deixo lá as chaves, as senhas
os cadeados, os mistérios todos
 para você me conhecer
entrego meus pés vermelhos
o que sobrou dos meus cabelos cortados
envio imagens, mensagens, massagens
coragem
seguem por navio, trem, avião
pombo correio, ônibus, bicicleta,
skate, mototáxi
todos levam minha alma
daqui para a Iugoslávia
quero ver você ter a ruindade
de não receber

sábado, 26 de julho de 2014

Jacy



                                                              Foto: Vlademir Alexandre

       O Grupo Carmin realiza três apresentações do espetáculo JACY nos dias 08, 09 e 10 de agosto em Natal no Teatro de Cultura Popular Chico Daniel (TCP). Em seguida, a frasqueira será aberta no dia 10 de setembro no 21º Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga/CE, e no dia 17 do mesmo mês, na Mostra Internacional de Teatro em João Pessoa/PB. Texto: Pablo Capistrano, Iracema Macedo, Henrique Fontes. Atuação: Quitéria Kelly, Henrique Fontes e Pedro Fiúza. Direção: Henrique Fontes e Lenilton Teixeira.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Na enfermaria

dormiu livre
e acordou escrava
o vestido pelo avesso
rosa
o riso atrás das grades preso
a écharpe, em vez de charme,
corte
a beleza trancada sob facas, bisturis, uniformes
o parto, em vez de luz,
dor e má sorte
a tristeza esticada sobre a maca

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O retorno de Saturno

Saturno veio colher as romãs
brasas no pomar
Vivo nua pela casa
leio cartas, fecho as portas
Saturno me espia pelas frestas
me sussurra nomes feios
vivo cheia de varais
lampiões e pássaros acesos
Parece que estou esticada entre dois abismos
entre dois homens
entre dois vendavais
Abro a janela
encaro o deus
me vejo nos seus olhos
me vejo dentro dele
Quando é que esses olhos irão me acordar?
Quando é que irão me levar?
Quieto no seu canto
Saturno me estende a mão e um cálice
e é como se a vida chegasse
silenciosa e indolor
como os milagres


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Branca de Neve e os sete anões


Os demônios brancos enlaçados aos postes
cantam e cospem
e o poço onde a louca dormia sossegada
foi medido

Os demônios brancos
esbarram em sombras enormes
e a louca canta e cospe
enlaçada aos demônios nos postes

No chão de noite tão clara
louca e demônios se abrasam
cantando cuspindo e rindo

( No meio da algazarra
acabam todos dormindo)

A bruxa vem de mansinho
transforma a louca em donzela
e os demônios em meninos

terça-feira, 22 de julho de 2014

A casa assaltada


cadeados quando quebrados
abrem caminhos, deixam entrar
os hóspedes, bandidos ou inimigos
sem lei nem vez
que ao invés de roubarem
trazem o presente do novo
mistérios, sustos, segredos
coragem para se desviar, migrar
assaltos às vezes são saltos
para um novo e belo lugar


segunda-feira, 21 de julho de 2014

celular

com esse gps chego até você
marco com uma estrela
meu hostel e a sua rua
gravo seus versos
onde você quiser
no ônibus, na mata
favela, elevador
sofá, cama, banco de praça
ouço música, vejo filmes, salvo tudo

sem esse celular
não sei viver
tô duro, inseguro, lascado, assaltado
pedindo dinheiro emprestado
mas esse celular é a única coisa
que não posso vender
porque sem ele posso te perder

domingo, 20 de julho de 2014

Bacante

Em meu ninho longínquo
inicio ventos
invento cios
canto e danço em volta do fogo
transformo meu leite em vinho
e ofereço meu corpo para os lobos

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Invasão ibérica

A Espanha e seu campo de girassóis
suas oliveiras, seus rios
seus árabes e catedrais
aportaram em mim e te querem

Todas as forças de sua arquitetura
suas casas mediterrâneas, suas torres medievais
as touradas sangrentas de Sevilha
os ciganos incríveis de Granada

por todo lado essa prece:
o meu amor é esse país inteiro te esperando

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Iniciação

Enquanto ele acalma os olhos com colírios
recito o poema de Laura
desfilo sem pudor
em sua frente
exerço meus ritos, meus mitos
meus vícios
Me atiro inteira
trapezista de circo
e meu salto deixa os marujos confusos
mancho os lençóis com meu sangue
me entrego
sinto o fulgor gelado do champanhe
Não tenho mais medo nem susto
por entre atalhos escuros e secretos
um homem belo me busca e me fareja
cegamente escravo dos meus versos

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Delicado recado

a raiz da cor de um raio trago
cor de vela, fumaça, orvalho
a raiz da cor de um porto
invento recrio e tento
sempre que caio

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Ice King

o rei do gelo
me encanta
com sua música
seu silêncio
seu ar
podem dizer
ah que lirismo tosco
que não fala em remédios
nem acidentes aéreos
nem produtos de limpeza
e beleza
estou dando linha
para a pipa voar
e não corda para o garoto se enforcar
o rei do gelo
me encanta
e sabe se cuidar
aprendi com ele que
sou eu mesmo sozinho
na primeira pessoa do singular
que hei de me salvar