desejei o tempo de um presságio
de um trem demorando a chegar
o tempo de um oráculo
e de uma espera
pelos enigmas, decifrações, saudades
um tempo com menos pressa
menos imprensa, menos notícias
mas todos os aparelhos estão ligados
raios, pneumáticos, telegramas
circulam por toda parte
tudo portátil, óbvio e comunicável
todos a postos
nenhum mistério
nenhuma posta restante
nenhuma estação à frente
nem segredo nem surpresa
ficou tudo tão urgente e incandescente
que ninguém pode mais escurecer
nem se esconder
terça-feira, 27 de maio de 2014
sexta-feira, 2 de maio de 2014
O Amor fati em Nietzsche
Do que andei estudando até hoje na obra de Nietzsche, encontrei a expressão Amor fati poucas vezes mencionada literalmente, mas, nessas poucas vezes em que aparece, é dita com tal força e com tal intensidade que não podemos deixar de compreendê-la como uma noção fundamental de seu pensamento, noção essa cuja compreensão contribui muito quando se deseja entender o que é uma filosofia trágica.
É em 1882, no início do livro IV de A Gaia ciência, no aforismo 276, que Nietzsche publica pela primeira vez algo sobre o conceito de Amor fati:
“Hoje cada um se permite exprimir seu desejo, seu mais caro pensamento; assim eu vou dizer o que desejo hoje de mim mesmo, e qual foi o primeiro pensamento que preencheu meu coração este ano, um pensamento que deve ser a razão, a graça e a suavidade de toda a minha vida! Eu quero aprender cada vez mais a considerar a necessidade das coisas como o belo em si – assim, eu serei um daqueles que tornam as coisas belas, amor fati: que seja este de agora em diante o meu amor! Eu não vou fazer guerra contra o feio, eu não o acusarei mais, eu não acusarei nem mesmo os acusadores. Suspender o olhar, que esta seja minha única forma de negar. Eu não quero, a partir desse momento, ser outra coisa senão pura afirmação.”
O que há de necessário nas coisas parece ser o fato de que essas coisas são simplesmente coisas, isto é, elementos pertencentes a um mundo que se transforma, que muda, que devém. Afirmação da própria transitoriedade. Amar o que há de necessário nas coisas é amar o que de certa forma não permanece, não pode ser previsto, amar mesmo o desconhecido, mesmo o incompreensível.
Lembremos que beleza para Nietzsche é o que seduz em favor da existência e arte é intensificação da vida e essa intensificação só será possível se a vida for assumida em sua plenitude, necessariamente, mesmo com seus males e dores, mesmo com sua finitude
Ainda a propósito do Amor fati, Nietzsche escreve no Ecce Homo: “Minha fórmula para a grandeza no homem é Amor fati: nada querer diferente, seja para trás, seja para a frente, seja em toda eternidade. Não apenas suportar o necessário, menos ainda ocultá-lo – todo idealismo é mendacidade ante o necessário - mas amá-lo.”[1] Parece ser fundamental essa noção do idealismo entendido como falsidade perante a necessidade. Pode-se inclusive notar também nessa passagem uma certa dimensão ética do Amor fati. Amar a fatalidade é um modo de realizar a grandeza, o homem seria pequeno se sucumbisse diante dela, se resignando ou se tornando indiferente. Amar representa aqui uma condição da criação. O Amor fati é um sim, não é negação, nem indiferença, é um querer. Prefigura, portanto, uma intensa vontade de pertencimento ao mundo, uma vontade transfiguradora e criadora que deseja realizar a vida mesmo em suas possibilidades mais estranhas e difíceis.
[1] Nietzsche, F. Ecce Homo. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.p51
É em 1882, no início do livro IV de A Gaia ciência, no aforismo 276, que Nietzsche publica pela primeira vez algo sobre o conceito de Amor fati:
“Hoje cada um se permite exprimir seu desejo, seu mais caro pensamento; assim eu vou dizer o que desejo hoje de mim mesmo, e qual foi o primeiro pensamento que preencheu meu coração este ano, um pensamento que deve ser a razão, a graça e a suavidade de toda a minha vida! Eu quero aprender cada vez mais a considerar a necessidade das coisas como o belo em si – assim, eu serei um daqueles que tornam as coisas belas, amor fati: que seja este de agora em diante o meu amor! Eu não vou fazer guerra contra o feio, eu não o acusarei mais, eu não acusarei nem mesmo os acusadores. Suspender o olhar, que esta seja minha única forma de negar. Eu não quero, a partir desse momento, ser outra coisa senão pura afirmação.”
O que há de necessário nas coisas parece ser o fato de que essas coisas são simplesmente coisas, isto é, elementos pertencentes a um mundo que se transforma, que muda, que devém. Afirmação da própria transitoriedade. Amar o que há de necessário nas coisas é amar o que de certa forma não permanece, não pode ser previsto, amar mesmo o desconhecido, mesmo o incompreensível.
Lembremos que beleza para Nietzsche é o que seduz em favor da existência e arte é intensificação da vida e essa intensificação só será possível se a vida for assumida em sua plenitude, necessariamente, mesmo com seus males e dores, mesmo com sua finitude
Ainda a propósito do Amor fati, Nietzsche escreve no Ecce Homo: “Minha fórmula para a grandeza no homem é Amor fati: nada querer diferente, seja para trás, seja para a frente, seja em toda eternidade. Não apenas suportar o necessário, menos ainda ocultá-lo – todo idealismo é mendacidade ante o necessário - mas amá-lo.”[1] Parece ser fundamental essa noção do idealismo entendido como falsidade perante a necessidade. Pode-se inclusive notar também nessa passagem uma certa dimensão ética do Amor fati. Amar a fatalidade é um modo de realizar a grandeza, o homem seria pequeno se sucumbisse diante dela, se resignando ou se tornando indiferente. Amar representa aqui uma condição da criação. O Amor fati é um sim, não é negação, nem indiferença, é um querer. Prefigura, portanto, uma intensa vontade de pertencimento ao mundo, uma vontade transfiguradora e criadora que deseja realizar a vida mesmo em suas possibilidades mais estranhas e difíceis.
[1] Nietzsche, F. Ecce Homo. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.p51
quinta-feira, 1 de maio de 2014
Zila
Nessas águas que entrei a vida inteira
Não busquei nem arcas, nem peixes, nem tesouros
Só quis a branda viração das ondas
E a branca luz dispersa sobre o mar
Tentei achar um abrigo
Me queimei em caravelas
Senti dor, medo, frio
Esqueci todo perigo
Nessas águas que entrei
Aprendi a ser espuma
Aprendi com as ondas a perder e a perdoar
E quem aprendeu assim a navegar
Quem se apartou da terra desse jeito
Não sabe mais como voltar
Não busquei nem arcas, nem peixes, nem tesouros
Só quis a branda viração das ondas
E a branca luz dispersa sobre o mar
Tentei achar um abrigo
Me queimei em caravelas
Senti dor, medo, frio
Esqueci todo perigo
Nessas águas que entrei
Aprendi a ser espuma
Aprendi com as ondas a perder e a perdoar
E quem aprendeu assim a navegar
Quem se apartou da terra desse jeito
Não sabe mais como voltar
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