terça-feira, 11 de março de 2014

O amor nos tempos da Segunda Guerra

                                                                                 dedicado à minha mãe Francisca

                                                                        " A vida sem música seria um erro"
                                                                Nietzsche

                               
Há quem tenha medo de olhar os astros, quem tenha medo dessa real grandeza, mas os astros não são perigosos, ou  será que são? Alguns astros estão mais desprotegidos como a lua,  sem atmosfera, tudo que nela esbarra vira cratera e dor.
Fico lembrando de alguns dos meus amores, o sabor dos nossos beijos era uma mistura de manga com morango, strawberry and mango,  e eu amava um outro que fumava  cigarros Lucky Streit, o gosto de cigarro na boca. Fumar já foi muito glamouroso, meus cabelos tinham cheiro de cigarro, eu cheirava à fumaça e pérola, vivia toda  esfumaçada, toda perolizada, era uma delícia... tudo muito Pearl Habor,  como eu queria usar um perfume Pearl Habor...E tinha um outro que adorava me trazer passas Sun-Maid, eu me sentia a moça ensolarada da embalagem, Sun-maid growers of california, just grapes and sunshine...

 

E o leite moça, essa última latinha que  comprei...será que é de desde 1921 mesmo? Se for, é do ano que nasceu minha avó, portanto,  sou neta de uma senhora de respeito já posso até ser mumificada e enlatada. As três últimas gerações de mulheres da minha família têm a idade da  lata de leite moça, sou neta  da senhora leite moça lunar. A primeira vez que minha avó provou desse leite foi justamente na Segunda Guerra e até hoje eu e minha mãe gostamos e nos deliciamos. Os médicos e os homens dizem não. Não tomem leite moça, olhem as taxas, que taxas gente que nada, eu adoro leite moça, a vida sem leite moça seria um erro, um ermo, uma tristeza sem fim.   Há dias que amanheço meio amarga, dias em que se diz adeus aos agrados sagrados, e haja leite moça para me adoçar, é preciso me embriagar, tomar um pequeno porre de leite moça, leite moça rejuvenesce, faz a gente ser criança de novo e um beijo com sabor de leite moça salva qualquer um. Ainda mais olhando para essa paisagem do Cristo Redentor. Cristo lunar de braços abertos sobre a cidade, assistindo a tudo que está acontecendo, branco como a lua e como a paz. Distante como um astro aceso sobre o Corcovado. Banho de lua, banda da lua, lua dos poetas e amantes que, de um jeito ou de outro, descobrem de onde é que o amor vem. Vai nascendo das palavras, das mais banais às mais altas, sejam frascos de perfume, sandálias de camurça, trem, avião, navio, tudo isso a gente tem, viajando dentro do corpo, quando a paixão fulminante bate à porta, quando ela finalmente vem.

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