sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Dúvidas sobre Lipovetsky e o conceito de narcisismo


Recentemente, lendo o filósofo francês Gilles Lipovetsky, faço algumas breves reflexões a partir do capítulo “ Narciso ou a estratégia do vazio”, do livro “ A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo”.

Segundo o autor francês, o sujeito atual está, por assim dizer, vivendo em um bunker narcisista. Ele entende essa noção não apenas como uma vivência voltada exclusivamente ao culto ao corpo, à beleza padronizada, ao não envelhecimento, ao consumo, mas a um outro estilo de vida que ele denomina homo psychologicus :o indivíduo preocupado antes de tudo com seu bem-estar. E nessa busca pelo bem- estar, ele inclui tudo: yoga, acupuntura, medicinas alternativas, todos os orientalismos arrancados de suas raízes e transportados para o Ocidente, seitas religiosas, indústria farmacêutica, psicoterapias em geral etc.

Sem nenhum tipo de motivação essencial, o Narciso contemporâneo busca de toda forma sobreviver à sua própria apatia (em grego: ausência de paixões), tentando realizar-se apenas no seu próprio poder de consumo e na estabilidade de sua saúde. Sem grandes causas sociais, religiosas, artísticas, o que importa é cada um por si, refugiando-se no seu eu ou no seio de uma pequena família cada vez mais frágil. O eu como nossa única âncora, raiz, proteção , nosso bunker, um escafandro no mar.

Algo mais narcisista ainda seria a busca desses sujeitos por uma autossufiência afetiva, a fuga do arrebatamento, do embate amoroso, das relações densas com os outros. Tudo se passa em um meio muito “ climatizado”, sem grandes acirramentos de pontos de vistas, sem grandes hostilidades.

Claro que essa paisagem é hoje muito mais visível para os teóricos europeus, mas até que ponto também não começa a ser a nossa?

Outros autores acentuam a vivência de emoções de modo transferido, como no caso de filmes, esportes, espetáculos, exposição da intimidade das celebridades. Não estaríamos vivendo, estaríamos sendo vividos. É como se o que está na tela vivesse por nós, transferimos nossas necessidades de aventuras e paixões fortes para algo fora de nós e levamos uma existência indolor e sem riscos. Diagnóstico de uma sociedade altamente hedonística e esvaziada.

Minhas dúvidas são muitas. Se por acaso concordarmos com algumas ideias de Lipovetsky, como tornaríamos Narciso alguém que se abre para o corte, para o desconhecido, para o desafio? Se todos querem ser anestesiados, se ninguém tem mais tempo de sofrer, se sofrer se tornou algo extremamente antiquado e vergonhoso, quais seriam as paixões possíveis? É proibido sofrer, é proibido se entregar, é proibido se arriscar.

Em outras palavras, a ideia é: controle seus sentimentos acima de tudo, pratique hábitos saudáveis, não aparente envelhecer, alimente-se bem, faça check-up, cuide de si e não caia na armadilha das paixões, nem no perigo de nenhuma causa maior além da segurança da sua existência individual ou da pequena família da qual você faz parte. É o estilo de vida mais inofensivo que talvez possamos ver, uma vidinha consumada e consumida pelo consumo, dedicada à saúde e ao bem-estar. Será que nós também estamos condenados à essa apatia, será que algum fogo ainda acende nossos espelhos frios? A gente quer só isso?








































19 comentários:

  1. Muito bom passar por aqui e ver esse texto, Iracema.
    Perfeitíssimas as suas considerações...

    Beijo grande,
    Patricia.

    ResponderExcluir
  2. Vida longa ao teu caminho poético-filosófico por aqui, querida.
    beijão.

    ResponderExcluir
  3. E mesmo a Filosofia torna-se algo bem delimitado em nós como conhecimento, cultura e erudição não-aplicáveis a nós. Ou seja, não nos modificamos essencialmente, nesse duplipensar geral. É duplipensar, posso identificar, porque estamos tendo acesso a coisas maravilhosas sem conhecer suas essências, tendo acesso nas escolas à várias formas de pensamento que, por normalidade até do próprio ambiente escolar, muitas vezes não são vivenciadas.

    ResponderExcluir
  4. É realmente um hedonismo sem prazer: muito desejo e pouco prazer, triste sina de nossos tempos.

    Há que ter coragem, "é preciso estar atento e forte", parafraseando os Doces Bárbaros, para encontrar outras ilhas nesse mar cheio de escafandros e formar arquipélagos de vigor e alegria.

    ResponderExcluir
  5. Professora gostei muito de suas ponderações, sou douglas da silva de petróleo e gás 1ºano.

    ResponderExcluir
  6. Sentimos um certo tipo de prazer sempre que de alguma forma nos distinguimos positivamente em relação aos demais. Gostamos de nos sentir bem-vestidos, bem quistos, aprovados e admirados pelo nosso grupo social. Mas toda exacerbação acaba por romper a linha que delimita o saudável do pernicioso, o lícito do pecaminoso. Isadora Oliva

    ResponderExcluir
  7. Adorei a sua reflexão,as ponderações que você fez sobre o narcisismo contemporâneo estão muito boas.


    Lorena Vila Nova da Silveira
    1º ano petróleo e gás.

    ResponderExcluir
  8. Iracema, quanto tempo...li e dialogo...

    No cais...

    Atraquei e troquei
    A poesia pelo amor
    Inversão
    A felicidade matou a arte
    E a poesia mata a dor

    Meu navio: âncora e barganha

    Amar o que não posso
    Querer o que não devo
    Viver o que mereço?

    Rousi Gonçalves

    ResponderExcluir
  9. Até que ponto temos deixado de viver intensamente nossas próprias paixões? Nos tornamos seres cada vez mais apáticos vivendo em um estado de bem-estar aparente.
    Ao ler o texto "Dúvidas sobre Lipovetski e o conceito de narcisismo" lembrei-me do trabalho que apresentamos no iff.
    A banda sobre a qual nós falamos aborda este assunto em suas músicas.
    Respiramos a vida dos outros e deixamos de viver a nossa.
    "A fria insiceridade das máquinas de aço tem consumido nossa euforia tranformando-nos em sonhos emudecidos" (System of a down - Attack).
    Parfraseando alguns trechos de suas músicas, seguimos uma bandeira cegada, governados por antenas tão altas que representam a influência da mídia em nossas mentes hipinotizadas, fazendo-nos viver uma existência plástica.
    O sistema cria seres frustrados, sem sonhos, sem paixões, sem motivações. Movidos pelo narcisismo.

    Mariana Carvalho - 1° ano de PeG

    ResponderExcluir
  10. Passei por aqui!!!
    ótimo texto!!
    ass: AMANDA FARIAS
    Bjuuu

    ResponderExcluir
  11. Posso perceber agora que verdadeiramente vivemos em uma sociedade doente,onde a procura pelo belo e a perfeição são as suas marcas na vida de uma pessoa totalmente manipulada pela indústria de massa. Hoje em dia as pessoas deixam de viver as suas grandes paixões e de se aventurar, pra viver no anonimato da vida, deixando a sua vida nas mãos de uma cultura totalmente padronizada, botando a sua emoção toda no consumo e naqueles produtos lançados, que irão ajudar a sua pele rejuvenescer. Estamos dentro de um manicômio social com pessoas totalmente doentias em viver o que é normal aos olhos da sociedade, ninguém quer parecer que está mais velho, ou que possui algo que possa te destacar daquele grupo de pessoas padronizadas. Temos que viver o irreconhecível e se aventurar na brevidade da vida.

    Adriel Fernandes de Oliveira 1°Ano Petróleo e Gás

    ResponderExcluir
  12. Passei por aqui :)
    JOYCE OLIVEIRA - 1º ano PeG

    ResponderExcluir
  13. Dayana caldas...................................
    Na minha vida vejo que nada é impossível de se alcançar , por mais que eu passe por dificuldades na vida, terei forças que me levantarão todas as vezes que eu cair.E é possivel de manter o controle de todas as coisas na vida, de manter o equilíbrio.E procuro manter os meus sentimentos ,que podem trazer destrezas pra outras pessas, em oculto.
    bjs...

    ResponderExcluir
  14. Sabemos que o narcisismo em si não é de todo ruim, e como nossos avós diziam “Tudo de mais faz mal!”. Uma pessoa que não se admira e que não gosta de si mesmo em nenhum aspecto acabará se isolando do resto do mundo e vivendo no tédio e na depressão. Em geral as religiões, seja qual for, visam o bem comunitário ensinando que todos devem se amar e praticar o amor, mas como poderemos amar nossos próximos se não nos amarmos? Logo aquele que se sente bem pra praticar o bem tem um grau de narcisismo considerado bom pra sua auto-estima. Mas considerando todos os fatos expostos por Lipovetski, notamos quão vaga tem sido a vida dos humanos. Se nos diferenciamos dos animais justo pela capacidade de raciocinar e pelas emoções, porque tentamos, cada vez mais, diminuir a necessidade de raciocínio e relações emotivas com outras pessoas? Porque nos prendemos a pequenas colônias, as quais nós tentamos isolar do resto do mundo? Porque nos baseamos num narcisismo que exclui? Se não houver alguém que faça bom uso do narcisismo mostre sua cara, rasgue seu peito e se faça presente em frente aos desafios, não teremos aventuras, e sem aventuras não teremos desafios ou necessidades, se a necessidade e a mão da invenção e a invenção leva-nos a evoluir, porque usamos a auto-suficiência narcisista pra levar a humanidade de volta aos macacos?
    Lembre-se sempre “A diferença entre droga e remédio e a quantidade”

    Carlos Eduardo Nunes Miranda

    PS: O narcisismo exagerado como o de Narciso (Mitologia grega), leva a finais como os de Narciso.

    ResponderExcluir
  15. O narcisismo não é algo que se mantém apenas no critério de consideração da beleza própria. O grau de narcisismo de cada pessoa determina em que posição social ela se estabelecerá. Para aqueles que não se encorajam frente a uma discussão por acharem que seus argumentos não são 'bons o suficiente', a presença como mancha, como sombra no quadro da sociedade é quase certo. A sombra que dá energia para as cores mais entusiasmadas, as cores mais vibrantes, e essas são as pessoas que, com um grau de narcisismo superior vão e colocam o rosto a tapa para provar que aquele discurso está certo. Esses são de fato, os líderes do quadro populacional atual, são as cores que chamam a atenção por poderem se diluir e obter diversos tons que dão um ar de soberania ao seu potencial. Além dessas duas formas de se viver o narcisismo, existem também as pessoas que, se consideram tão auto suficientes que acham não precisar dos outros, mas infelizmente essa tinta não serve para o quadro. De que serve uma cor extravagante se não se pode articulá-la para entonações diferentes? Eis a tinta que por tão intensa, cegou a si mesma, e tirou dela toda a vida útil. Metaforicamente falando, a sociedade seria feita por essas três entidades. As cores que comandam o quadro com suas belezas e ramificações; as cores impuras, sujas por sua incompetência interna; e as cores que, por tão consistentes, não foram capazes de assumir um local determinado no quadro, continuando assim e seu pote de tinta, acreditando ser soberano. Hoje o narcisismo aparenta ter mais uma etapa a ser compreendida. O narcisismo de exclusão. O narcisismo que consiste na ideia de: "não permitir que fraquezas emocionais e afetivas influenciem negativamente no potencial pessoal. Esse sistema de total imprudência acaba desencadeando a realização de sonhos ao ver filmes que, na falta de emoções expressas por pessoas, lidera o comando de parte emotiva da população. Até onde as pessoas vão continuar se excluindo visando o controle da capacidade dominante? Narcisismo não é de todo bom, nem de todo ruim. Temos que ser narcisistas para sabermos que podemos tomar decisões e levá-las para frente, mas devemos ser humildes para aceitar uma ajuda e concordar que ela é importante para o caminhar das coisas.

    Caio Fernandes Gomes
    1º ano - Petróleo & Gás

    ResponderExcluir
  16. O narcisismo contemporâneo hoje se torna expressivo; a tentativa de um bem estar físico e mental se torna cada vez mais distante das pessoas, pois os parâmetros de bem-estar social impostos pela mídia se tornam cada vez maiores,a ponto de uma pequena parte da população apenas poder referir-se a si como uma pessoa feliz o que torna a vida das pessoas que não possuem poder aquisitivo para que possam realizar todos os sonhos e desejos( que são estipulados a partir dos parâmetros de artistas e famosos)deprimentes, este motivo buscam sua afirmação emocional em vidas fictícias que sabem que nunca poderão ter veiculadas em filmes,reality shows e novelas,o que as leva a pensar que suas vidas não são tão boas ou que o que conquistaram não é o suficiente para serem realmente felizes,tornando suas vidas vazias e solitárias.

    ResponderExcluir
  17. Como nos afirmou Sócrates,devemos nos conhecer primeiramente,só assim,podemos levar uma vida em sociedade saudável.Contudo essa sociedade capitalista, individualista na qual estamos incerido, cai paradigmas egoistas a todo momento.Necessitamos do outro para sermos felizes, só seremos completos com a harmonia dos nossos pares.Devemos viver em reflexão,para que possamos contribuir para um mundo melhor ,menos desigual.
    Camilla-Hospedagem

    ResponderExcluir
  18. O mito de Narciso mostra que atualmente vivemos na superficialidade, nas aparências, como seres sem profundidade. De uma forma ou de outra sempre trazemos um Narciso dentro de nós, e isso faz com que cada um procure cuidar do próprio corpo, arrumar-se e enfeitar-se para agradar a si e aos outros. É a busca do aplauso, do reconhecimento. Esse ideal do belo provoca desejos irrealizados, prazer em seduzir e despertar desejos, porém não permite que sejamos satisfeitos nos levando à melancolia. Daí o mundo perde o valor, nos deprimimos com nossa fragilidade.
    Cada ser humano tem que descobrir quem realmente é, e qual o melhor caminho para o conduzir à felicidade.

    ResponderExcluir
  19. Lipovestsky não sataniza a mídia e nem a culpa pelo narcisismo da nossa sociedade. Tão pouco julga homo psychologicus, o que ele faz é buscar uma justificativa, investigar a razão do surgimento dessa sociedade narcisista, hiper individualista e carregada de hedonismo.
    Para o francês nosso tempo é o auge da modernidade (tempo hipermoderno) uma sociedade que é obcecada pelo presente e pelo "novo" , uma "sociedade moda" respaldada na obsolescência artificial do consumismo. Eis o momento em que Narciso entra em cena.
    Além disso, nossa sociedade atingiu o máximo da liberdade de escolha, nunca antes as pessoas ficaram tão livres para ser e fazer o que quiser.Mas isso assusta.
    A demolição das instituições coletivas e a exacerbação do individuo deixou o homem confuso, o homem não sabe qual opção escolher, já não se tem mais limites para o ser.
    O problema é que para Lipovestsky o homem não sabe viver sem limites. A hiperescolha o deixou mais ancioso, mais deprimido,com mais dificuldades existenciais. A hiperescolha advinda da liberdade individualista tornou mais dificil viver. Há mais autonomia privada,entretanto tbm há mais crises íntimas.

    ResponderExcluir