La bruja, Cildo Meireles
Era tão brando ser bardo
antes da bruxa
Tão fácil memorar breves desígnios
e olhar-se no espelho junto com as bolhas
de sabão
e azul como elas dispersar-se
Havia um certo cuidado
uma sutileza compondo o rosto
As faces em tempo de estio e ensolaradas
as faces assim avarandadas
dóceis aos ventos e aos nadas
Era tão brando ser bruxa
antes do bardo
catar morcegos mortos e ervas malditas
e fazer o mal sem que nenhum arco se quebrasse
Sentir as febres, dormir sob o gume da faca
era tão fácil a maldade sem a arte
Mas tu não sabes, meu amigo,
a flor escura
de agora ser tão bardo e bruxa ao mesmo tempo
E sendo bardo querer cantar os dias
e sendo bruxa odiar o próprio canto
sexta-feira, 31 de outubro de 2014
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
Alcíone
Renata Dorea
Ando à procura de um espelho
que te traga
de alguém que anuncie tua chegada
um presságio, um aviso
alguma mensagem que se abre
com navalha
Se ao menos eu sonhasse
se tua imagem me desafiasse
e me seguisse
se houvesse uma urna, uma ilha
uma prisão qualquer onde estivesse retida
Se as aves te anunciassem
se tivesses um anel
se deixasses uma pista
Mas não há nada, nada
só meu silêncio
em busca de teu nome
e deuses marinhos me turvando a vista
Ando à procura de um espelho
que te traga
de alguém que anuncie tua chegada
um presságio, um aviso
alguma mensagem que se abre
com navalha
Se ao menos eu sonhasse
se tua imagem me desafiasse
e me seguisse
se houvesse uma urna, uma ilha
uma prisão qualquer onde estivesse retida
Se as aves te anunciassem
se tivesses um anel
se deixasses uma pista
Mas não há nada, nada
só meu silêncio
em busca de teu nome
e deuses marinhos me turvando a vista
terça-feira, 30 de setembro de 2014
Dioniso diante de Apolo
Agora que acalmaste meu tornado
e que aceitei tua flecha
sobre a minha carne
Agora que me fecundaste com a medida
e que me deste margens
Agora que pousaste a mão
sobre o meu medo
Vês como as palavras nascem de mim
pausadas
e como tornei-me brisa
ateada sobre o pranto?
Desde que me concedeste tua máscara,
deus solar,
a noite que eu trazia
perdeu o gume terrível
Vem, amigo, vem ver
como, mesmo diante do sangue,
tornamos bela
a dor para esses gregos
e que aceitei tua flecha
sobre a minha carne
Agora que me fecundaste com a medida
e que me deste margens
Agora que pousaste a mão
sobre o meu medo
Vês como as palavras nascem de mim
pausadas
e como tornei-me brisa
ateada sobre o pranto?
Desde que me concedeste tua máscara,
deus solar,
a noite que eu trazia
perdeu o gume terrível
Vem, amigo, vem ver
como, mesmo diante do sangue,
tornamos bela
a dor para esses gregos
sábado, 20 de setembro de 2014
rústicos
cercas de arame farpado sob a chuva
alegria nas pedras do lajedo e nos alpendres
fogueira mítica acesa entre escritos rupestres
meninos e meninas nus dançando ao redor
coice de cavalo, vela acesa dentro da geladeira a gás,
açudes de água morna, cactos, carroças
estávamos todos lá antes da luz elétrica
preparados para perdas e recomeços
alegria nas pedras do lajedo e nos alpendres
fogueira mítica acesa entre escritos rupestres
meninos e meninas nus dançando ao redor
coice de cavalo, vela acesa dentro da geladeira a gás,
açudes de água morna, cactos, carroças
estávamos todos lá antes da luz elétrica
preparados para perdas e recomeços
quinta-feira, 18 de setembro de 2014
nômades tuaregs
estranheza feroz nas cores desse povo
pequenos roubos, hóspedes estrangeiros
noites geladas e escuras
bandos inteiros comendo
arroz puro no deserto
gente querendo fugir para algum outro país
sem perceber que a água estava ali mesmo
era só cavar um poço e encontrar a própria sede
pequenos roubos, hóspedes estrangeiros
noites geladas e escuras
bandos inteiros comendo
arroz puro no deserto
gente querendo fugir para algum outro país
sem perceber que a água estava ali mesmo
era só cavar um poço e encontrar a própria sede
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
Memórias de uma puta poeta
Vou-me embora pra Pasárgada
lá sou amiga da rainha
e tenho o homem que quero
na cama que escolherei
sou amiga das medeias, das medusas e das bacantes
Vou-me embora pra Pasárgada
lá as mulheres são livres
tanto as mães quanto as sem filhos
tanto as que amam mulheres
quanto as que amam rapazes
tanto as que amam os dois
lá os musos são de verdade e descem de Marte
para a terra, lá nem amor platônico tem
é tudo mesmo na sacanagem
Vou- me embora pra Pasárgada
lá as putas não são tristes
como as de Gabriel García Marquez
lá maria transa mesmo com o anjo gabriel
e josé assume tudo
lá existem os josés, psicanalistas e pais incríveis,
vou me embora pra Pasárgada
lá sou amante até da rainha
e posso voar de parapente
me desculpem Manuel Bandeira e Gabriel García Marquez
adoro ler vocês
mas amo mesmo é essa nova Pasárgada que inventei
lá sou amiga da rainha
e tenho o homem que quero
na cama que escolherei
sou amiga das medeias, das medusas e das bacantes
Vou-me embora pra Pasárgada
lá as mulheres são livres
tanto as mães quanto as sem filhos
tanto as que amam mulheres
quanto as que amam rapazes
tanto as que amam os dois
lá os musos são de verdade e descem de Marte
para a terra, lá nem amor platônico tem
é tudo mesmo na sacanagem
Vou- me embora pra Pasárgada
lá as putas não são tristes
como as de Gabriel García Marquez
lá maria transa mesmo com o anjo gabriel
e josé assume tudo
lá existem os josés, psicanalistas e pais incríveis,
vou me embora pra Pasárgada
lá sou amante até da rainha
e posso voar de parapente
me desculpem Manuel Bandeira e Gabriel García Marquez
adoro ler vocês
mas amo mesmo é essa nova Pasárgada que inventei
Um poema de Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
terça-feira, 9 de setembro de 2014
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
Desenhos e teletransportes
eram cidades costeiras
mas seus habitantes nem precisavam de mar
podiam ir com navios inventados
fictícios barcos
eram cidades costeiras, costumeiras
de maresia e brisa
trilhas, rios, portos rascunhados
e seus moradores sonhavam
e iam assim a todo lugar
mas seus habitantes nem precisavam de mar
podiam ir com navios inventados
fictícios barcos
eram cidades costeiras, costumeiras
de maresia e brisa
trilhas, rios, portos rascunhados
e seus moradores sonhavam
e iam assim a todo lugar
domingo, 7 de setembro de 2014
Ouro Preto em chamas
abrigar-se nessa briga
entre pedaços e cacos
de telhas, janelas, vidraças
desabrigar-se nessa casa imensa
cremada, incendiada
sem voz nem gente
madeiras ardendo
pedras preciosas perdidas
bombeiros vieram de Mariana e BH
movidos a terra, água, fogo e ar
fogueira imensa acesa na praça
dores, mágoas,
escravos, escravas, correntes,
crimes, senhores,
senhoras, perversidades
maldades,
vidas passadas
há séculos
almas queimadas
em labaredas altas
(em memória do incêndio de 2003 no Casarão do Pilão)
sábado, 6 de setembro de 2014
Loja de Mulheres
labirinto que sigo nessa cidade
plena de tantas outras
tecidos e mais tecidos entrelaçados
becos, mercados
lojas de chapéus, botas, saias, brechós
O meu desejo de ancorar ali
na vitrine como um manequim
e esperar por todos os que passam
amá-los todos disfarçada
nesse corpo de medusa sem cabeça nem braços
nesse vestido exposto com seu preço
metade estátua, metade mulher
metade blusa, metade sandália
sou essa fêmea de acrílico lírico na calçada
plena de tantas outras
tecidos e mais tecidos entrelaçados
becos, mercados
lojas de chapéus, botas, saias, brechós
O meu desejo de ancorar ali
na vitrine como um manequim
e esperar por todos os que passam
amá-los todos disfarçada
nesse corpo de medusa sem cabeça nem braços
nesse vestido exposto com seu preço
metade estátua, metade mulher
metade blusa, metade sandália
sou essa fêmea de acrílico lírico na calçada
sexta-feira, 5 de setembro de 2014
Escolha
" Derrubando palavras se chega ao silêncio:
à terceira solidão, a escolhida."
Pablo Neruda
Sem filhos viveram
Lota e Bishop
livres, viajantes, soltas
permitidas uma à outra
num amor de poucas
Solidão vivida, inteira, escolhida
moças raras, voos rasantes,
intensas, amantes, revoltas
à terceira solidão, a escolhida."
Pablo Neruda
Sem filhos viveram
Lota e Bishop
livres, viajantes, soltas
permitidas uma à outra
num amor de poucas
Solidão vivida, inteira, escolhida
moças raras, voos rasantes,
intensas, amantes, revoltas
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
L'amour entre tours et tous
Invadi seus passos na calçada
entre a liberdade e a calma
no caminho que fiz até você
o que se ilumina é breve, leve
aceita torres como mirantes
não como calabouços
nem quedas nem prisões
mora comigo uma noite só
e vai embora
certo de que o amor não é uma pessoa, não se prende, não é anel nem arame
nem tem nome próprio, nem fome de um único soldado civil ou trapezista
nem muro, nem cerca, nem furo de reportagem, nem filhas, nem família
mas está em toda parte, solto,
raio que vem por dentro e por fora e atinge todos
para além de quaisquer dois e nós,
obsessões, arranhões
e paranoias
não precisa de bagagens nem de escola
aceita ser miragem entre faróis, ilhas, milhas
mil vezes sem dor quando decola, não cola, descola
sem amarrações, não gruda, não controla
amor: miragem e saudade entre antenas parabólicas
astros, satélites, cartas de tarot, rainha de copas
jogo, fogo: onde pouco já é muito
e onde às vezes muito é muito pouco
entre a liberdade e a calma
no caminho que fiz até você
o que se ilumina é breve, leve
aceita torres como mirantes
não como calabouços
nem quedas nem prisões
mora comigo uma noite só
e vai embora
certo de que o amor não é uma pessoa, não se prende, não é anel nem arame
nem tem nome próprio, nem fome de um único soldado civil ou trapezista
nem muro, nem cerca, nem furo de reportagem, nem filhas, nem família
mas está em toda parte, solto,
raio que vem por dentro e por fora e atinge todos
para além de quaisquer dois e nós,
obsessões, arranhões
e paranoias
não precisa de bagagens nem de escola
aceita ser miragem entre faróis, ilhas, milhas
mil vezes sem dor quando decola, não cola, descola
sem amarrações, não gruda, não controla
amor: miragem e saudade entre antenas parabólicas
astros, satélites, cartas de tarot, rainha de copas
jogo, fogo: onde pouco já é muito
e onde às vezes muito é muito pouco
domingo, 31 de agosto de 2014
sábado, 30 de agosto de 2014
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
Blue Moon
Roberto Carlos, é o seguinte:
você está salvo
agora sou eu que preciso me salvar
passo a tarde inteira ouvindo
esse programa Roberto Carlos Especial
na rádio Nordeste
Se eu não ficar em casa,
saio na rua e beijo a Ribeira inteira
homem, mulher, esposa, rameira
todas as criaturas humanas e desumanas
pedra, carvalho, fogueira, geleira, geladeira
fico pedindo para a lua
desce, desce, desce
Eu sou da terra
e só na terra me sinto bem
sei que garota igual a você
na lua não tem
você está salvo
agora sou eu que preciso me salvar
passo a tarde inteira ouvindo
esse programa Roberto Carlos Especial
na rádio Nordeste
Se eu não ficar em casa,
saio na rua e beijo a Ribeira inteira
homem, mulher, esposa, rameira
todas as criaturas humanas e desumanas
pedra, carvalho, fogueira, geleira, geladeira
fico pedindo para a lua
desce, desce, desce
Eu sou da terra
e só na terra me sinto bem
sei que garota igual a você
na lua não tem
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
New Game: Afrodite virou prostituta de jornal
Verso é enigma
nada tem de descarado
nada tem de fácil
nem de geográfico
é esfinge, é mito
nele posso ser puta, vadia
bruta e real
cada programa mil reais
com o direito a tudo que sei
e não sei há dez mil anos atrás
encontro loucos, doidos, degradados
degenerados, homens, mulheres, travestis
não faço distinção de idade
sexo, carruagem ou carroça
com o verso: pluma, nuvem, incêndio e gás
se goza muito mais
nada tem de descarado
nada tem de fácil
nem de geográfico
é esfinge, é mito
nele posso ser puta, vadia
bruta e real
cada programa mil reais
com o direito a tudo que sei
e não sei há dez mil anos atrás
encontro loucos, doidos, degradados
degenerados, homens, mulheres, travestis
não faço distinção de idade
sexo, carruagem ou carroça
com o verso: pluma, nuvem, incêndio e gás
se goza muito mais
domingo, 17 de agosto de 2014
"Desencanto"
" Três metamorfoses, nomeio-vos, do espírito: como o espírito se torna camelo e o camelo, leão e o leão, por fim, criança. " Assim Falou Zaratustra. Friedrich Nietzsche
poema dedicado a Manuel Bandeira
Sou uma mulher vulgar
e faço versos como quem fode
sentindo prazer e dores
Eu faço versos como quem cospe
no bicho morto no meio-fio
sentindo nojo sentindo encanto
Eu rezo terços
e chupo lâminas
E faço versos como quem goza
e gozo como quem glosa
poema dedicado a Manuel Bandeira
Sou uma mulher vulgar
e faço versos como quem fode
sentindo prazer e dores
Eu faço versos como quem cospe
no bicho morto no meio-fio
sentindo nojo sentindo encanto
Eu rezo terços
e chupo lâminas
E faço versos como quem goza
e gozo como quem glosa
sábado, 16 de agosto de 2014
Um poema de Manuel Bandeira
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
O carteiro e a poeta
Não quero deixar de conhecer
Pasárgada, Shangri-lá e Atlântida
ainda bem que daqui de casa
posso ir até lá com asas
ou a nado
vou pela rota contrária
oceano pacífico e feroz
ouço todo dia sua voz
antiga e total
nem preciso de satélite
lá mesmo não preciso chegar
e são tantas cartas, contas, telegramas
há mil anos e séculos
e esperei tanto, tanto, tanto
aqui nesse Rio de Janeiro
que acabei me apaixonando pelo carteiro
Pasárgada, Shangri-lá e Atlântida
ainda bem que daqui de casa
posso ir até lá com asas
ou a nado
vou pela rota contrária
oceano pacífico e feroz
ouço todo dia sua voz
antiga e total
nem preciso de satélite
lá mesmo não preciso chegar
e são tantas cartas, contas, telegramas
há mil anos e séculos
e esperei tanto, tanto, tanto
aqui nesse Rio de Janeiro
que acabei me apaixonando pelo carteiro
terça-feira, 12 de agosto de 2014
Agosto
Como um hiato às voltas com escuro
pulsa o meu poema
e vibra frio vidro estilhaçado
numa ameaça de espanto que me ronda
Como uma espécie de arma, como um músculo
o meu poema me cerca
com gargalhadas de doido
com esperanças de cura
Ele me assusta me segura me defende
com uma mão de fantasma
contra a morte
O meu poema é um cio, uma dor que me cuida
um cão, uma mãe que canta
um corpo moreno e luta
pulsa o meu poema
e vibra frio vidro estilhaçado
numa ameaça de espanto que me ronda
Como uma espécie de arma, como um músculo
o meu poema me cerca
com gargalhadas de doido
com esperanças de cura
Ele me assusta me segura me defende
com uma mão de fantasma
contra a morte
O meu poema é um cio, uma dor que me cuida
um cão, uma mãe que canta
um corpo moreno e luta
segunda-feira, 11 de agosto de 2014
lucila
a palavra ama
a palavra cora
a palavra lama
a palavra chora
a palavra goza
a palavra cama,
lucila,
luz que oscila
a palavra te chama
a palavra cora
a palavra lama
a palavra chora
a palavra goza
a palavra cama,
lucila,
luz que oscila
a palavra te chama
sábado, 9 de agosto de 2014
Invenção de Eurídice
Havia os cabelos de Eurídice incendiando a praia
e os homens com suas redes esperando
Orfandades arrastadas sobre a areia
era assim que vinham os peixes
era assim que as palavras vinham,
sem ar,
com olhos vitrificados
Havia os cabelos de Eurídice soltos
como velames
cortando os ventos
semeando bichos que se alastravam
Eram quase mãos, os cabelos de Eurídice,
tentando agarrar alguma coisa
buscando alcançar uma alegria, um êxtase,
uma dor que fosse
qualquer coisa quebrada,
algum resto, um destroço
ou algas e conchas dentro das ondas
e os homens com suas redes esperando
Orfandades arrastadas sobre a areia
era assim que vinham os peixes
era assim que as palavras vinham,
sem ar,
com olhos vitrificados
Havia os cabelos de Eurídice soltos
como velames
cortando os ventos
semeando bichos que se alastravam
Eram quase mãos, os cabelos de Eurídice,
tentando agarrar alguma coisa
buscando alcançar uma alegria, um êxtase,
uma dor que fosse
qualquer coisa quebrada,
algum resto, um destroço
ou algas e conchas dentro das ondas
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
Mickey
" Dieu parle dans la calme plus haut
que dans la tempête"
Adam Mickiewirkcz( 1734-1855)
Que o Mickey era feiticeiro
só depois eu fui saber
Jodorowsky
lhe ensinou
que ratos e ratazanas,
que temos dentro da gente ,
podem ser curados com sal, lápis e cal
Que a Minnie enfeitiçava
eu também desconhecia
encontrei em sua casa uma placa:
se for preciso tome melhoral
mas consulte a senhora Minnie
se quiser melhorar o seu astral
Cosmogonias distopicas: Marcelo Gandhi
que dans la tempête"
Adam Mickiewirkcz( 1734-1855)
Que o Mickey era feiticeiro
só depois eu fui saber
Jodorowsky
lhe ensinou
que ratos e ratazanas,
que temos dentro da gente ,
podem ser curados com sal, lápis e cal
Que a Minnie enfeitiçava
eu também desconhecia
encontrei em sua casa uma placa:
se for preciso tome melhoral
mas consulte a senhora Minnie
se quiser melhorar o seu astral
Cosmogonias distopicas: Marcelo Gandhi
quinta-feira, 7 de agosto de 2014
Mariposas
segundo estamira
a pessoa pode estar em vários lugares
e tempos
e falar várias línguas de uma vez
estou levando alfajor para a turquia
queijo de caicó para a bahia
schieben lieben leben
no daña las superficies
elimina olores
somos productos de la naturaleza
the crowning glory
everest is climbed
capito, capitu, amigo?
a pessoa pode estar em vários lugares
e tempos
e falar várias línguas de uma vez
estou levando alfajor para a turquia
queijo de caicó para a bahia
schieben lieben leben
no daña las superficies
elimina olores
somos productos de la naturaleza
the crowning glory
everest is climbed
capito, capitu, amigo?
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
Festa de São João
sua noite começa melhor
depois que alguém te olha
Se eu ficar na barraca do beijo
vou dar prejuízo
ninguém vai querer me beijar
mas se eu ficar na barraca do olhar
quem sabe, talvez,
São João
acenda a fogueira do meu coração
e aí vou continuar
não é urgente, não é para casar
é só para olhar
Isso não é invasão, São João, é só
olhar, luz, câmera, ação
meu nome é Suellen
maria chuteira
superem
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Na lavanderia
Estou ouvindo a música da máquina de lavar
lavando os trapos, os farrapos, os sapos
todos que tenho que engolir do chefe do setor
que acha que só tem gente saudável e gostosa
nesse mundo
Estou ouvindo a música da máquina de lavar
a rádio fm feminina mulher furor
e uma adolescente entrevistada dizendo: eu sou nescau
recalque bate em mim e volta radical
vou passar roupa, cozinhar e voltar para casa
às quatro, de quatro, com o corpo todo doído
de estafa e ainda trabalhar para esse marido
chinês
ex-presidiário, criminoso, safado
os quatro filhos e tudo
mas dizem que foi eu que escolhi, colhi,
encolhi feito coelha
com essa colheita de filhos , esse tanto de trabalho
esse caralho, essa porra, essas crianças chorando
e por toda parte essa placa dizendo que é proibido fumar,
fumar, fumar, não posso fumar no trabalho, não posso fumar
em casa, não posso mais fumar em lugar nenhum
vou acender um cigarro no banheiro
tocar fogo no papel higiênico, na lixeira, incendiar tudo
também no aeroporto onde faço faxina terceirizada aos sábados
na rádio está tocando agora Belchior
não vou deixar meu cigarro se apagar pela tristeza
acho que foi por isso que ele fugiu para o Uruguai
lavando os trapos, os farrapos, os sapos
todos que tenho que engolir do chefe do setor
que acha que só tem gente saudável e gostosa
nesse mundo
Estou ouvindo a música da máquina de lavar
a rádio fm feminina mulher furor
e uma adolescente entrevistada dizendo: eu sou nescau
recalque bate em mim e volta radical
vou passar roupa, cozinhar e voltar para casa
às quatro, de quatro, com o corpo todo doído
de estafa e ainda trabalhar para esse marido
chinês
ex-presidiário, criminoso, safado
os quatro filhos e tudo
mas dizem que foi eu que escolhi, colhi,
encolhi feito coelha
com essa colheita de filhos , esse tanto de trabalho
esse caralho, essa porra, essas crianças chorando
e por toda parte essa placa dizendo que é proibido fumar,
fumar, fumar, não posso fumar no trabalho, não posso fumar
em casa, não posso mais fumar em lugar nenhum
vou acender um cigarro no banheiro
tocar fogo no papel higiênico, na lixeira, incendiar tudo
também no aeroporto onde faço faxina terceirizada aos sábados
na rádio está tocando agora Belchior
não vou deixar meu cigarro se apagar pela tristeza
acho que foi por isso que ele fugiu para o Uruguai
segunda-feira, 4 de agosto de 2014
Marisa
apedrejo vidraças, sou da pichação
rompo os tratos, os contratos
destruo calendários, lojas da marisa
plantações de alfaces, pepinos, hortas orgânicas falsas
vadia sou eu, que faço hot dog pra moçada
moradora de prédio ocupado, manicure
cabeleireira e ladra nas horas vagas
sonhando todo dia em atacar o shopping center
eu e a máquina de lavar, a pia, o pano de chão
os filhos, a solidão e aquele amante pilantra que visito na prisão,
momentinho no parlatório, fila para entrada,
dez minutos de love e mais nada
eu sou a própria manifestação, a pombagira total
boderline, bipolar, tudo uma farsa
que papanicolau que nada
e essa história de cândida ?
pureza?
meu lance mesmo é o cigarro e a cachaça
rompo os tratos, os contratos
destruo calendários, lojas da marisa
plantações de alfaces, pepinos, hortas orgânicas falsas
vadia sou eu, que faço hot dog pra moçada
moradora de prédio ocupado, manicure
cabeleireira e ladra nas horas vagas
sonhando todo dia em atacar o shopping center
eu e a máquina de lavar, a pia, o pano de chão
os filhos, a solidão e aquele amante pilantra que visito na prisão,
momentinho no parlatório, fila para entrada,
dez minutos de love e mais nada
eu sou a própria manifestação, a pombagira total
boderline, bipolar, tudo uma farsa
que papanicolau que nada
e essa história de cândida ?
pureza?
meu lance mesmo é o cigarro e a cachaça
domingo, 3 de agosto de 2014
Diana
Ele sabe os tons de esmalte que ela usa
os brincos e joias que ela tem
brincos de ouro fosco e círios raros
colar amarelo fervido em pérolas
Ele sabe por onde ela prende seus cabelos
escritos em todas as partes
Cabelos mais longos que as folhas da palmeira
longa cabeleira, juízo curto
Mas ela curte tanto ter juízo
curte os cabelos curtos dos homens que ama
curte paixões que alucinam
as paixões que fogem e voltam
Sacerdotisa de Tupã
abençoa tudo com licor
Lábios de mel para esse mundo às vezes sem cores e tão cru
Ele sabe os tons de esmalte que ela usa
por onde ela acende suas chamas
e os medos e coragens que ela tem
sábado, 2 de agosto de 2014
Por trás da tenda
Sonho que você está por trás da tenda
oculto
e faz sinais para mim
com letras de fumaça
Ouço sua gargalhada
e vejo a sua sombra
Sonho que essa sombra toca a minha sombra
mas só as sombras se tocam, os corpos não
Sonho que um cavalo espera
ao lado do fogo
mas você não surge
Sonho que alguém esmaga uma aranha
no chão limpo
Sonho que vem uma menina entre as ondas
Sei que você está lá mas não vejo
Sonho que estamos sobre um trem parado
e há na rua cata-ventos e sismos
Parece que nem tudo está perdido
Sonho com facas, com palavras fortes
com meninos na rua carregando pedras
há uma casa muito velha onde os cães dormem
entre montes de capim seco e brita
Sonho que você está lá e me aguarda
Sonho que você tem uma ferida
velada pelos pássaros
Sonho que esta rua é minha e a ladrilho
com muitos rios
para que os peixes fluam tranquilos
oculto
e faz sinais para mim
com letras de fumaça
Ouço sua gargalhada
e vejo a sua sombra
Sonho que essa sombra toca a minha sombra
mas só as sombras se tocam, os corpos não
Sonho que um cavalo espera
ao lado do fogo
mas você não surge
Sonho que alguém esmaga uma aranha
no chão limpo
Sonho que vem uma menina entre as ondas
Sei que você está lá mas não vejo
Sonho que estamos sobre um trem parado
e há na rua cata-ventos e sismos
Parece que nem tudo está perdido
Sonho com facas, com palavras fortes
com meninos na rua carregando pedras
há uma casa muito velha onde os cães dormem
entre montes de capim seco e brita
Sonho que você está lá e me aguarda
Sonho que você tem uma ferida
velada pelos pássaros
Sonho que esta rua é minha e a ladrilho
com muitos rios
para que os peixes fluam tranquilos
segunda-feira, 28 de julho de 2014
Ao pé do muro
lamafértil 2014
E além do mais, eu também tenho uma
uma banda bichada onde um veneno fino
se destila
E esta outra banda que me salva
Pedra não é
e ao perecimento se castiga
Fruta no sereno
uma parte sã, outra perdida
o que me bicha e lixa e come seco
é o que em silêncio me espanta sem que eu saiba
Pode um bico de pássaro reter o meu destino
com a doçura própria de seu timbre
Posso secar ao sol com a casca empretecida
uma banda sã, outra maldita
Mundo, mundo, vasto mundo, estou aqui dividida
e nem rima nem solução seria
se eu me chamasse Aparecida
E além do mais, eu também tenho uma
uma banda bichada onde um veneno fino
se destila
E esta outra banda que me salva
Pedra não é
e ao perecimento se castiga
Fruta no sereno
uma parte sã, outra perdida
o que me bicha e lixa e come seco
é o que em silêncio me espanta sem que eu saiba
Pode um bico de pássaro reter o meu destino
com a doçura própria de seu timbre
Posso secar ao sol com a casca empretecida
uma banda sã, outra maldita
Mundo, mundo, vasto mundo, estou aqui dividida
e nem rima nem solução seria
se eu me chamasse Aparecida
domingo, 27 de julho de 2014
correio elegante
entrego minha alma
na portaria do seu prédio
deixo lá as chaves, as senhas
os cadeados, os mistérios todos
para você me conhecer
entrego meus pés vermelhos
o que sobrou dos meus cabelos cortados
envio imagens, mensagens, massagens
coragem
seguem por navio, trem, avião
pombo correio, ônibus, bicicleta,
skate, mototáxi
todos levam minha alma
daqui para a Iugoslávia
quero ver você ter a ruindade
de não receber
na portaria do seu prédio
deixo lá as chaves, as senhas
os cadeados, os mistérios todos
para você me conhecer
entrego meus pés vermelhos
o que sobrou dos meus cabelos cortados
envio imagens, mensagens, massagens
coragem
seguem por navio, trem, avião
pombo correio, ônibus, bicicleta,
skate, mototáxi
todos levam minha alma
daqui para a Iugoslávia
quero ver você ter a ruindade
de não receber
sábado, 26 de julho de 2014
Jacy
Foto: Vlademir Alexandre
O Grupo Carmin realiza três apresentações do espetáculo JACY nos dias 08, 09 e 10 de agosto em Natal no Teatro de Cultura Popular Chico Daniel (TCP). Em seguida, a frasqueira será aberta no dia 10 de setembro no 21º Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga/CE, e no dia 17 do mesmo mês, na Mostra Internacional de Teatro em João Pessoa/PB. Texto: Pablo Capistrano, Iracema Macedo, Henrique Fontes. Atuação: Quitéria Kelly, Henrique Fontes e Pedro Fiúza. Direção: Henrique Fontes e Lenilton Teixeira.
sexta-feira, 25 de julho de 2014
Na enfermaria
dormiu livre
e acordou escrava
o vestido pelo avesso
rosa
o riso atrás das grades preso
a écharpe, em vez de charme,
corte
a beleza trancada sob facas, bisturis, uniformes
o parto, em vez de luz,
dor e má sorte
a tristeza esticada sobre a maca
e acordou escrava
o vestido pelo avesso
rosa
o riso atrás das grades preso
a écharpe, em vez de charme,
corte
a beleza trancada sob facas, bisturis, uniformes
o parto, em vez de luz,
dor e má sorte
a tristeza esticada sobre a maca
quinta-feira, 24 de julho de 2014
O retorno de Saturno
Saturno veio colher as romãs
brasas no pomar
Vivo nua pela casa
leio cartas, fecho as portas
Saturno me espia pelas frestas
me sussurra nomes feios
vivo cheia de varais
lampiões e pássaros acesos
Parece que estou esticada entre dois abismos
entre dois homens
entre dois vendavais
Abro a janela
encaro o deus
me vejo nos seus olhos
me vejo dentro dele
Quando é que esses olhos irão me acordar?
Quando é que irão me levar?
Quieto no seu canto
Saturno me estende a mão e um cálice
e é como se a vida chegasse
silenciosa e indolor
como os milagres
brasas no pomar
Vivo nua pela casa
leio cartas, fecho as portas
Saturno me espia pelas frestas
me sussurra nomes feios
vivo cheia de varais
lampiões e pássaros acesos
Parece que estou esticada entre dois abismos
entre dois homens
entre dois vendavais
Abro a janela
encaro o deus
me vejo nos seus olhos
me vejo dentro dele
Quando é que esses olhos irão me acordar?
Quando é que irão me levar?
Quieto no seu canto
Saturno me estende a mão e um cálice
e é como se a vida chegasse
silenciosa e indolor
como os milagres
quarta-feira, 23 de julho de 2014
Branca de Neve e os sete anões
Os demônios brancos enlaçados aos postes
cantam e cospem
e o poço onde a louca dormia sossegada
foi medido
Os demônios brancos
esbarram em sombras enormes
e a louca canta e cospe
enlaçada aos demônios nos postes
No chão de noite tão clara
louca e demônios se abrasam
cantando cuspindo e rindo
( No meio da algazarra
acabam todos dormindo)
A bruxa vem de mansinho
transforma a louca em donzela
e os demônios em meninos
terça-feira, 22 de julho de 2014
A casa assaltada
cadeados quando quebrados
abrem caminhos, deixam entrar
os hóspedes, bandidos ou inimigos
sem lei nem vez
que ao invés de roubarem
trazem o presente do novo
mistérios, sustos, segredos
coragem para se desviar, migrar
assaltos às vezes são saltos
para um novo e belo lugar
segunda-feira, 21 de julho de 2014
celular
com esse gps chego até você
marco com uma estrela
meu hostel e a sua rua
gravo seus versos
onde você quiser
no ônibus, na mata
favela, elevador
sofá, cama, banco de praça
ouço música, vejo filmes, salvo tudo
sem esse celular
não sei viver
tô duro, inseguro, lascado, assaltado
pedindo dinheiro emprestado
mas esse celular é a única coisa
que não posso vender
porque sem ele posso te perder
marco com uma estrela
meu hostel e a sua rua
gravo seus versos
onde você quiser
no ônibus, na mata
favela, elevador
sofá, cama, banco de praça
ouço música, vejo filmes, salvo tudo
sem esse celular
não sei viver
tô duro, inseguro, lascado, assaltado
pedindo dinheiro emprestado
mas esse celular é a única coisa
que não posso vender
porque sem ele posso te perder
domingo, 20 de julho de 2014
Bacante
Em meu ninho longínquo
inicio ventos
invento cios
canto e danço em volta do fogo
transformo meu leite em vinho
e ofereço meu corpo para os lobos
inicio ventos
invento cios
canto e danço em volta do fogo
transformo meu leite em vinho
e ofereço meu corpo para os lobos
sexta-feira, 18 de julho de 2014
Invasão ibérica
A Espanha e seu campo de girassóis
suas oliveiras, seus rios
seus árabes e catedrais
aportaram em mim e te querem
Todas as forças de sua arquitetura
suas casas mediterrâneas, suas torres medievais
as touradas sangrentas de Sevilha
os ciganos incríveis de Granada
por todo lado essa prece:
o meu amor é esse país inteiro te esperando
suas oliveiras, seus rios
seus árabes e catedrais
aportaram em mim e te querem
Todas as forças de sua arquitetura
suas casas mediterrâneas, suas torres medievais
as touradas sangrentas de Sevilha
os ciganos incríveis de Granada
por todo lado essa prece:
o meu amor é esse país inteiro te esperando
quinta-feira, 17 de julho de 2014
Iniciação
Enquanto ele acalma os olhos com colírios
recito o poema de Laura
desfilo sem pudor
em sua frente
exerço meus ritos, meus mitos
meus vícios
Me atiro inteira
trapezista de circo
e meu salto deixa os marujos confusos
mancho os lençóis com meu sangue
me entrego
sinto o fulgor gelado do champanhe
Não tenho mais medo nem susto
por entre atalhos escuros e secretos
um homem belo me busca e me fareja
cegamente escravo dos meus versos
recito o poema de Laura
desfilo sem pudor
em sua frente
exerço meus ritos, meus mitos
meus vícios
Me atiro inteira
trapezista de circo
e meu salto deixa os marujos confusos
mancho os lençóis com meu sangue
me entrego
sinto o fulgor gelado do champanhe
Não tenho mais medo nem susto
por entre atalhos escuros e secretos
um homem belo me busca e me fareja
cegamente escravo dos meus versos
segunda-feira, 14 de julho de 2014
Delicado recado
a raiz da cor de um raio trago
cor de vela, fumaça, orvalho
a raiz da cor de um porto
invento recrio e tento
sempre que caio
cor de vela, fumaça, orvalho
a raiz da cor de um porto
invento recrio e tento
sempre que caio
segunda-feira, 7 de julho de 2014
Ice King
o rei do gelo
me encanta
com sua música
seu silêncio
seu ar
podem dizer
ah que lirismo tosco
que não fala em remédios
nem acidentes aéreos
nem produtos de limpeza
e beleza
estou dando linha
para a pipa voar
e não corda para o garoto se enforcar
o rei do gelo
me encanta
e sabe se cuidar
aprendi com ele que
sou eu mesmo sozinho
na primeira pessoa do singular
que hei de me salvar
me encanta
com sua música
seu silêncio
seu ar
podem dizer
ah que lirismo tosco
que não fala em remédios
nem acidentes aéreos
nem produtos de limpeza
e beleza
estou dando linha
para a pipa voar
e não corda para o garoto se enforcar
o rei do gelo
me encanta
e sabe se cuidar
aprendi com ele que
sou eu mesmo sozinho
na primeira pessoa do singular
que hei de me salvar
sábado, 28 de junho de 2014
sexta-feira, 27 de junho de 2014
Carpe Diem
Não precisa ser um longa metragem
pode ser um curta
sem nenhuma tempestade
há de ser suave
romance, amizade
ou affair
sem eternidades
beijo, gozo, toque
um mistério a mais
ou viagem
Não precisa ser nenhum milagre
pode ser só um riso a dois
à tarde
pode ser um curta
sem nenhuma tempestade
há de ser suave
romance, amizade
ou affair
sem eternidades
beijo, gozo, toque
um mistério a mais
ou viagem
Não precisa ser nenhum milagre
pode ser só um riso a dois
à tarde
terça-feira, 27 de maio de 2014
Surpresas
desejei o tempo de um presságio
de um trem demorando a chegar
o tempo de um oráculo
e de uma espera
pelos enigmas, decifrações, saudades
um tempo com menos pressa
menos imprensa, menos notícias
mas todos os aparelhos estão ligados
raios, pneumáticos, telegramas
circulam por toda parte
tudo portátil, óbvio e comunicável
todos a postos
nenhum mistério
nenhuma posta restante
nenhuma estação à frente
nem segredo nem surpresa
ficou tudo tão urgente e incandescente
que ninguém pode mais escurecer
nem se esconder
de um trem demorando a chegar
o tempo de um oráculo
e de uma espera
pelos enigmas, decifrações, saudades
um tempo com menos pressa
menos imprensa, menos notícias
mas todos os aparelhos estão ligados
raios, pneumáticos, telegramas
circulam por toda parte
tudo portátil, óbvio e comunicável
todos a postos
nenhum mistério
nenhuma posta restante
nenhuma estação à frente
nem segredo nem surpresa
ficou tudo tão urgente e incandescente
que ninguém pode mais escurecer
nem se esconder
sexta-feira, 2 de maio de 2014
O Amor fati em Nietzsche
Do que andei estudando até hoje na obra de Nietzsche, encontrei a expressão Amor fati poucas vezes mencionada literalmente, mas, nessas poucas vezes em que aparece, é dita com tal força e com tal intensidade que não podemos deixar de compreendê-la como uma noção fundamental de seu pensamento, noção essa cuja compreensão contribui muito quando se deseja entender o que é uma filosofia trágica.
É em 1882, no início do livro IV de A Gaia ciência, no aforismo 276, que Nietzsche publica pela primeira vez algo sobre o conceito de Amor fati:
“Hoje cada um se permite exprimir seu desejo, seu mais caro pensamento; assim eu vou dizer o que desejo hoje de mim mesmo, e qual foi o primeiro pensamento que preencheu meu coração este ano, um pensamento que deve ser a razão, a graça e a suavidade de toda a minha vida! Eu quero aprender cada vez mais a considerar a necessidade das coisas como o belo em si – assim, eu serei um daqueles que tornam as coisas belas, amor fati: que seja este de agora em diante o meu amor! Eu não vou fazer guerra contra o feio, eu não o acusarei mais, eu não acusarei nem mesmo os acusadores. Suspender o olhar, que esta seja minha única forma de negar. Eu não quero, a partir desse momento, ser outra coisa senão pura afirmação.”
O que há de necessário nas coisas parece ser o fato de que essas coisas são simplesmente coisas, isto é, elementos pertencentes a um mundo que se transforma, que muda, que devém. Afirmação da própria transitoriedade. Amar o que há de necessário nas coisas é amar o que de certa forma não permanece, não pode ser previsto, amar mesmo o desconhecido, mesmo o incompreensível.
Lembremos que beleza para Nietzsche é o que seduz em favor da existência e arte é intensificação da vida e essa intensificação só será possível se a vida for assumida em sua plenitude, necessariamente, mesmo com seus males e dores, mesmo com sua finitude
Ainda a propósito do Amor fati, Nietzsche escreve no Ecce Homo: “Minha fórmula para a grandeza no homem é Amor fati: nada querer diferente, seja para trás, seja para a frente, seja em toda eternidade. Não apenas suportar o necessário, menos ainda ocultá-lo – todo idealismo é mendacidade ante o necessário - mas amá-lo.”[1] Parece ser fundamental essa noção do idealismo entendido como falsidade perante a necessidade. Pode-se inclusive notar também nessa passagem uma certa dimensão ética do Amor fati. Amar a fatalidade é um modo de realizar a grandeza, o homem seria pequeno se sucumbisse diante dela, se resignando ou se tornando indiferente. Amar representa aqui uma condição da criação. O Amor fati é um sim, não é negação, nem indiferença, é um querer. Prefigura, portanto, uma intensa vontade de pertencimento ao mundo, uma vontade transfiguradora e criadora que deseja realizar a vida mesmo em suas possibilidades mais estranhas e difíceis.
[1] Nietzsche, F. Ecce Homo. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.p51
É em 1882, no início do livro IV de A Gaia ciência, no aforismo 276, que Nietzsche publica pela primeira vez algo sobre o conceito de Amor fati:
“Hoje cada um se permite exprimir seu desejo, seu mais caro pensamento; assim eu vou dizer o que desejo hoje de mim mesmo, e qual foi o primeiro pensamento que preencheu meu coração este ano, um pensamento que deve ser a razão, a graça e a suavidade de toda a minha vida! Eu quero aprender cada vez mais a considerar a necessidade das coisas como o belo em si – assim, eu serei um daqueles que tornam as coisas belas, amor fati: que seja este de agora em diante o meu amor! Eu não vou fazer guerra contra o feio, eu não o acusarei mais, eu não acusarei nem mesmo os acusadores. Suspender o olhar, que esta seja minha única forma de negar. Eu não quero, a partir desse momento, ser outra coisa senão pura afirmação.”
O que há de necessário nas coisas parece ser o fato de que essas coisas são simplesmente coisas, isto é, elementos pertencentes a um mundo que se transforma, que muda, que devém. Afirmação da própria transitoriedade. Amar o que há de necessário nas coisas é amar o que de certa forma não permanece, não pode ser previsto, amar mesmo o desconhecido, mesmo o incompreensível.
Lembremos que beleza para Nietzsche é o que seduz em favor da existência e arte é intensificação da vida e essa intensificação só será possível se a vida for assumida em sua plenitude, necessariamente, mesmo com seus males e dores, mesmo com sua finitude
Ainda a propósito do Amor fati, Nietzsche escreve no Ecce Homo: “Minha fórmula para a grandeza no homem é Amor fati: nada querer diferente, seja para trás, seja para a frente, seja em toda eternidade. Não apenas suportar o necessário, menos ainda ocultá-lo – todo idealismo é mendacidade ante o necessário - mas amá-lo.”[1] Parece ser fundamental essa noção do idealismo entendido como falsidade perante a necessidade. Pode-se inclusive notar também nessa passagem uma certa dimensão ética do Amor fati. Amar a fatalidade é um modo de realizar a grandeza, o homem seria pequeno se sucumbisse diante dela, se resignando ou se tornando indiferente. Amar representa aqui uma condição da criação. O Amor fati é um sim, não é negação, nem indiferença, é um querer. Prefigura, portanto, uma intensa vontade de pertencimento ao mundo, uma vontade transfiguradora e criadora que deseja realizar a vida mesmo em suas possibilidades mais estranhas e difíceis.
[1] Nietzsche, F. Ecce Homo. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.p51
quinta-feira, 1 de maio de 2014
Zila
Nessas águas que entrei a vida inteira
Não busquei nem arcas, nem peixes, nem tesouros
Só quis a branda viração das ondas
E a branca luz dispersa sobre o mar
Tentei achar um abrigo
Me queimei em caravelas
Senti dor, medo, frio
Esqueci todo perigo
Nessas águas que entrei
Aprendi a ser espuma
Aprendi com as ondas a perder e a perdoar
E quem aprendeu assim a navegar
Quem se apartou da terra desse jeito
Não sabe mais como voltar
Não busquei nem arcas, nem peixes, nem tesouros
Só quis a branda viração das ondas
E a branca luz dispersa sobre o mar
Tentei achar um abrigo
Me queimei em caravelas
Senti dor, medo, frio
Esqueci todo perigo
Nessas águas que entrei
Aprendi a ser espuma
Aprendi com as ondas a perder e a perdoar
E quem aprendeu assim a navegar
Quem se apartou da terra desse jeito
Não sabe mais como voltar
quinta-feira, 24 de abril de 2014
Malinche
Foto: Tiago Mota
Malinche: idealização Rosana Reategui
Direção: Warley Goulart
Atuação: Rosana Reategui
Texto: Iracema Macedo e Warley Goulart
Esteve em cartaz no Sesc Copacabana por um mês em 2013 e esperamos que volte em breve.
Trecho de Malinche:
Ninguém sabe quem atirou a pedra que matou Montezuma, se foi índio ou se foi branco. Mas da cabeça do imperador jorrava um sangue lento, a lentidão de quem aceita a própria morte. A pedra atingiu a fina e frágil vidraça que tinha se tornado o seu império. Se pudesse ilustrar uma festa de escombros, foi isto o que aconteceu. Aquele mundo escureceu. Apagou-se vencido por espelhos, espadas, vidros, santos e livros. Sob a morte ainda úmida daquela gente, Hernan plantou seus cavalos.
Malinche: idealização Rosana Reategui
Direção: Warley Goulart
Atuação: Rosana Reategui
Texto: Iracema Macedo e Warley Goulart
Esteve em cartaz no Sesc Copacabana por um mês em 2013 e esperamos que volte em breve.
Trecho de Malinche:
Ninguém sabe quem atirou a pedra que matou Montezuma, se foi índio ou se foi branco. Mas da cabeça do imperador jorrava um sangue lento, a lentidão de quem aceita a própria morte. A pedra atingiu a fina e frágil vidraça que tinha se tornado o seu império. Se pudesse ilustrar uma festa de escombros, foi isto o que aconteceu. Aquele mundo escureceu. Apagou-se vencido por espelhos, espadas, vidros, santos e livros. Sob a morte ainda úmida daquela gente, Hernan plantou seus cavalos.
sábado, 19 de abril de 2014
Jacy
Foto:Wlademir Alexandre
Espetáculo: Jacy
Datas: 11,12,19 e 20 de abril de 2014
Local: Casa da Ribeira - Natal-RN
Hora: 20 horas
Reservas: (84) 9638-8426
Textos de Pablo Capistrano, Iracema Macedo e Henrique Fontes.
Com Quitéria Kelly, Henrique Fontes e Pedro Fiúza.
Mais trechos de Jacy:
Agora temos blecaute, todo mundo tem que ficar no escuro à noite para evitar um bombardeio. E quando podemos ter luz de novo, vamos ao cine Polytheama, assistir aos filmes e eu me sinto lá na tela. Parece que agora sou atriz de alguma coisa, estou mais alegre, eu me vejo no espelho quando vou ao cinema. Estou iluminada, escolho com mais gosto os meus vestidos. Vejo mais cor em tudo. (...) Escrevo para você porque estou transbordando, você não vai acreditar, mas estou amando a guerra.
Espetáculo: Jacy
Datas: 11,12,19 e 20 de abril de 2014
Local: Casa da Ribeira - Natal-RN
Hora: 20 horas
Reservas: (84) 9638-8426
Textos de Pablo Capistrano, Iracema Macedo e Henrique Fontes.
Com Quitéria Kelly, Henrique Fontes e Pedro Fiúza.
Mais trechos de Jacy:
Agora temos blecaute, todo mundo tem que ficar no escuro à noite para evitar um bombardeio. E quando podemos ter luz de novo, vamos ao cine Polytheama, assistir aos filmes e eu me sinto lá na tela. Parece que agora sou atriz de alguma coisa, estou mais alegre, eu me vejo no espelho quando vou ao cinema. Estou iluminada, escolho com mais gosto os meus vestidos. Vejo mais cor em tudo. (...) Escrevo para você porque estou transbordando, você não vai acreditar, mas estou amando a guerra.
quinta-feira, 20 de março de 2014
Uma tradução de Valéry *
Teus passos, filhos do silêncio,
voltam-se lentos e sagrados
para o leito da minha vigília
passos mudos e gelados
Pessoa pura, sombra divina
como se detêm doces esses passos
Deuses! Todos os dons que adivinho
vêm a mim sobre teus pés nus
Se teus lábios se adiantam
e se preparam
para apaziguar meus pensamentos
com o conforto de um beijo
Digo: não te apresses nesse gesto terno
doçura de ser e não ser
pois eu vivi de te esperar
e meu coração precisa dos teus passos
* Tradução livre a partir do poema “Les pas”( Os passos), de Paul Valéry(1871-1945)
voltam-se lentos e sagrados
para o leito da minha vigília
passos mudos e gelados
Pessoa pura, sombra divina
como se detêm doces esses passos
Deuses! Todos os dons que adivinho
vêm a mim sobre teus pés nus
Se teus lábios se adiantam
e se preparam
para apaziguar meus pensamentos
com o conforto de um beijo
Digo: não te apresses nesse gesto terno
doçura de ser e não ser
pois eu vivi de te esperar
e meu coração precisa dos teus passos
* Tradução livre a partir do poema “Les pas”( Os passos), de Paul Valéry(1871-1945)
quarta-feira, 19 de março de 2014
Casarão da poesia
Transportes Currais Novos
está patrocinando e formando
indivíduos de alto calibre
versáteis, versados em todo tipo de contemporaneidade
e antiguidade
inscrições abertas:
literatura de cordel e vanguarda
cinema na rua, desenho animado, gravura
violino, guitarra, sanfona
teatro e todas as outras artes
estamos dando continuidade
ao programa cultural da cidade
nosso lema:
para além da seca somos chuva
para além dos incêndios somos calma
tungstênio é nossa alma
está patrocinando e formando
indivíduos de alto calibre
versáteis, versados em todo tipo de contemporaneidade
e antiguidade
inscrições abertas:
literatura de cordel e vanguarda
cinema na rua, desenho animado, gravura
violino, guitarra, sanfona
teatro e todas as outras artes
estamos dando continuidade
ao programa cultural da cidade
nosso lema:
para além da seca somos chuva
para além dos incêndios somos calma
tungstênio é nossa alma
segunda-feira, 17 de março de 2014
A astrônoma e a lua
Viagem à lua tá fora de moda
pois para lá viajo todo dia
acompanho a lua minguante
a nova, a crescente,
a cheia
tô uivando dentro do telescópio
e envio meu grito para lá
a lua é dos lobos, dos poetas,
das naves e das aeronaves
a lua sim é que o lugar
pois para lá viajo todo dia
acompanho a lua minguante
a nova, a crescente,
a cheia
tô uivando dentro do telescópio
e envio meu grito para lá
a lua é dos lobos, dos poetas,
das naves e das aeronaves
a lua sim é que o lugar
sexta-feira, 14 de março de 2014
me travesti de poesia
meu amado
onde estou não existe geografia
e não está finda a minha sorte
estou a fim é de sorte
meu leito é do mundo inteiro
não estou perto nem longe
não estou tardando querido
onde estou não existe tempo
mas aceito ir aí como o vento
com os teus cabelos brincar
aceito ser sua musa fugaz
por uma noite apenas
e nada mais
onde estou não existe geografia
e não está finda a minha sorte
estou a fim é de sorte
meu leito é do mundo inteiro
não estou perto nem longe
não estou tardando querido
onde estou não existe tempo
mas aceito ir aí como o vento
com os teus cabelos brincar
aceito ser sua musa fugaz
por uma noite apenas
e nada mais
quinta-feira, 13 de março de 2014
Um poema de Castro Alves
Onde estás?
É meia-noite...e rugindo
Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa
Por meus cabelos fugaz:
" Vento frio do deserto,
"Onde ela está ? Longe ou perto?"
Mas, como um hálito incerto,
Responde-me o eco ao longe:
" On! minh'amante, onde estás?..."
Vem! É tarde! Por que tardas?
São horas de brando sono,
Vem reclinar-te em meu peito
Com teu lânguido abandono!...
'Stá vazio nosso leito...
'Stá vazio o mundo inteiro;
E tu não queres qu' eu fique
Solitário nesta vida...
Mas por que tardas, querida?...
Já tenho esperado assaz...
Vem depressa que eu deliro
Oh! minh'amante, onde estás?...
Estrela - na tempestade,
Rosa - nos ermos da vida,
Íris - do náufrago errante,
Ilusão - d'alma descrida,
Tu foste, mulher formosa!
Tu foste, ó filha do céu!...
...E hoje que o meu passado
Para sempre morto jaz...
Vendo finda a minha sorte,
Pergunto aos ventos do Norte...
" Oh! minh'amante, onde estás?"
Bahia
Antônio Frederico de Castro Alves
em " Espumas Flutuantes"
É meia-noite...e rugindo
Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa
Por meus cabelos fugaz:
" Vento frio do deserto,
"Onde ela está ? Longe ou perto?"
Mas, como um hálito incerto,
Responde-me o eco ao longe:
" On! minh'amante, onde estás?..."
Vem! É tarde! Por que tardas?
São horas de brando sono,
Vem reclinar-te em meu peito
Com teu lânguido abandono!...
'Stá vazio nosso leito...
'Stá vazio o mundo inteiro;
E tu não queres qu' eu fique
Solitário nesta vida...
Mas por que tardas, querida?...
Já tenho esperado assaz...
Vem depressa que eu deliro
Oh! minh'amante, onde estás?...
Estrela - na tempestade,
Rosa - nos ermos da vida,
Íris - do náufrago errante,
Ilusão - d'alma descrida,
Tu foste, mulher formosa!
Tu foste, ó filha do céu!...
...E hoje que o meu passado
Para sempre morto jaz...
Vendo finda a minha sorte,
Pergunto aos ventos do Norte...
" Oh! minh'amante, onde estás?"
Bahia
Antônio Frederico de Castro Alves
em " Espumas Flutuantes"
quarta-feira, 12 de março de 2014
Anúncio de Antiquário
Poema do livro Invenção de Eurídice.
terça-feira, 11 de março de 2014
O amor nos tempos da Segunda Guerra
dedicado à minha mãe Francisca
" A vida sem música seria um erro"
Nietzsche
Há quem tenha medo de olhar os astros, quem tenha medo dessa real
grandeza, mas os astros não são perigosos, ou será que são?
Alguns astros estão mais desprotegidos como a lua, sem atmosfera, tudo que nela esbarra vira cratera e dor.
Fico
lembrando de alguns dos meus amores, o sabor dos nossos beijos era uma
mistura de manga
com morango, strawberry and mango, e eu amava um outro que fumava
cigarros Lucky Streit, o gosto de cigarro na boca. Fumar já foi muito
glamouroso, meus cabelos
tinham cheiro de cigarro, eu cheirava à fumaça e pérola, vivia toda
esfumaçada, toda perolizada, era uma delícia... tudo muito Pearl Habor,
como eu queria usar um perfume Pearl Habor...E tinha um outro que adorava
me trazer passas Sun-Maid, eu me sentia a moça ensolarada da
embalagem, Sun-maid growers of california, just grapes and sunshine...E o leite moça, essa última latinha que comprei...será que é de desde 1921 mesmo? Se for, é do ano que nasceu minha avó, portanto, sou neta de uma senhora de respeito já posso até ser mumificada e enlatada. As três últimas gerações de mulheres da minha família têm a idade da lata de leite moça, sou neta da senhora leite moça lunar. A primeira vez que minha avó provou desse leite foi justamente na Segunda Guerra e até hoje eu e minha mãe gostamos e nos deliciamos. Os médicos e os homens dizem não. Não tomem leite moça, olhem as taxas, que taxas gente que nada, eu adoro leite moça, a vida sem leite moça seria um erro, um ermo, uma tristeza sem fim. Há dias que amanheço meio amarga, dias em que se diz adeus aos agrados sagrados, e haja leite moça para me adoçar, é preciso me embriagar, tomar um pequeno porre de leite moça, leite moça rejuvenesce, faz a gente ser criança de novo e um beijo com sabor de leite moça salva qualquer um. Ainda mais olhando para essa paisagem do Cristo Redentor. Cristo lunar de braços abertos sobre a cidade, assistindo a tudo que está acontecendo, branco como a lua e como a paz. Distante como um astro aceso sobre o Corcovado. Banho de lua, banda da lua, lua dos poetas e amantes que, de um jeito ou de outro, descobrem de onde é que o amor vem. Vai nascendo das palavras, das mais banais às mais altas, sejam frascos de perfume, sandálias de camurça, trem, avião, navio, tudo isso a gente tem, viajando dentro do corpo, quando a paixão fulminante bate à porta, quando ela finalmente vem.
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